(Archivoz) Não poderia deixar de começar por destacar o seu extraordinário ao nível académico, experiência docente no Ensino Superior, orientações, júri de grau académico, publicações, comunicações, cargos de gestão académica, coordenação de projetos, distinções recebidas, etc. Fale-nos do seu percurso académico e profissional até chegar às funções que desempenha atualmente, como Professora Auxiliar do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

(Maria Paula Marçal Lourenço) O meu percurso académico iniciou-se com a Licenciatura em História (1979-1983), num tempo em que este grau universitário ainda era de quatro anos com cadeiras anuais (pré-Bolonha), o que permitia um maior aprofundamento das matérias leccionadas cujos conteúdos eram marcados por significativas preocupações de natureza teórica e problematizante, ausentes, de certo modo, nos anteriores ciclos de aprendizagem. Num período próximo do pós 25 de Abril, tive a oportunidade de conhecer e estudar não só os historiadores mais influentes de uma renovada historiografia europeia, muito em particular da Escola dos Annales (March Bloch, Georges Duby, Jacques Le Goff), como os mais destacados historiógrafos oitocentistas portugueses ou os das décadas de 60-80, entre outros, obviamente. Vivia-se, então, uma época de intensa vida política na Academia, respirando-se um ambiente de inovação cultural e de debate em torno das novidades da História. Se toda esta vivência foi de uma enorme riqueza, em boa verdade, e com algumas excepções, muito dos saberes a adquirir ficaram por leccionar ou estudar. Consequência disto, logo que iniciei a minha vida como professora, foi necessário um imenso esforço de leitura e de sistematização dos conteúdos a leccionar, o que sucede sempre após a licenciatura para qualquer geração de professores, mas que, na nossa circunstância e de colegas, foi de uma dedicação bastante relevante. Acresce, que não dispúnhamos do acesso às ditas novas tecnologias informáticas, que são, quando bem utilizadas, um importante recurso de informação, para além de um precioso auxiliar pedagógico.  Nem dispúnhamos, por outro lado, de qualquer formação pedagógica, o que fui aprendendo, por experiência própria, ao longo de quase 40 anos de ensino.

Passei a frequentar, em 1985, o 1º Curso de Mestrado em História Moderna e Contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde me licenciara, cuja tese sobre a Casa do Infantado (1654-1706) defendi em 1989. No ano seguinte e por concurso público, ingressei como assistente no Departamento de História da mesma Faculdade, onde vim a concluir o doutoramento, em 1989, com uma dissertação sobre a Casa das Rainhas de Portugal (1640-1754), defendida, publicamente, em 2000. Entre 1990 e 2022, e no primeiro ciclo, leccionei diversas cadeiras, entre elas, História Medieval de Portugal, História Geral Moderna, História da Cultura Moderna (prática e depois teórica), História Moderna e da Expansão Portuguesa, História Moderna de Portugal, História Moderna Política e Cultura, História Moderna da Europa e a opção: A Corte dos Reis de Portugal: quotidiano e práticas rituais (séculos XV-XVIII).  No 2º e 3º Ciclos, Monarquia e Casa Real (criada por mim, em 2004) e a Construção do Estado Moderno. O que me permitiu ter uma larga visão das diversas vertentes da História Moderna de Portugal e da Europa. Ao longo destes anos, tenho não só orientado várias teses de mestrado e doutoramento, como venho integrando o júri de dezenas de dissertações de ambos os graus.

Na área da investigação, que complementa a docência universitária, fui bolseira da Junta Nacional da Investigação Científica e Tecnológica (1986-1989) aquando da realização da tese de mestrado, bolseira da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos com vista à sumariação da Chancelaria de D. Manuel I (em equipa-1990-1992), entre outras bolsas de curta duração para deslocações ao estrangeiro. Participei, por outro lado, em projectos de investigação colectiva, na coordenação e/ou na organização, em parceria, de colóquios e seminários, de cursos livres e jornadas de trabalho na Faculdade de Letras e no Brasil (professora visitante na UNESP, campus de Franca), tendo sido, ainda, membro de comissões ou de reuniões científicas em Portugal e em Espanha. Para além da publicação de livros, só ou em conjunto, coordenei obras colectivas, tendo elaborado capítulos para colectâneas editadas no nosso país ou no estrangeiro. Como qualquer docente do Ensino Superior apresentei comunicações em largas dezenas de congressos, seminários e colóquios com a respectiva publicação (Portugal, Madrid, Barcelona, Granada, Valladolid, Westminster, Leiden, Budapeste, Berlim, Brasil), e redigi os prefácios de teses por mim orientadas aquando da sua publicação, além da participação em acções de formação não universitária, como, a título de exemplo, em escolas secundárias.  A que acresce a participação nos órgãos de gestão académica: Vice-Presidente do conselho Pedagógico (2000-2002); vice-presidente da Comissão Pedagógica de História (2002-2004); Membro do grupo para a reestruturação do Curso de História (processo de Bolonha- 2002-2003).

Em suma, quatro décadas dedicadas ao ensino ou à orientação de jovens investigadores, uma verdadeira paixão, a que se junta uma outra, a da investigação.

(Archivoz) Considerando o seu notável percurso científico, como historiadora, tem estado, de há muitos anos para cá, bastante próxima do mundo dos arquivos. Pode dar-nos conta como é que foi o seu primeiro contacto com esta realidade e como se veio a refletir no percurso profissional que desenvolveu?

(Maria Paula Marçal Lourenço) O meu primeiro contacto com o mundo dos arquivos deu-se, ainda, na parte lectiva do mestrado (1985-1986) – na licenciatura foi pontual -, tornando-se diária aquando da investigação com vista à elaboração da tese de mestrado. Tendo elegido para tema da minha dissertação a Casa do Infantado nos seus primórdios (1640-1706), período em que o infante D. Pedro, o futuro D. Pedro II, foi seu donatário, e estando o Cartório da Casa do Infantado depositado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que se situava, à época, numa sala adjacente à Assembleia da República, foi aí que passei os meus dias durante quase três anos. Recordo, que para entrar no Arquivo pelas 10:00, hora de abertura, garantindo, assim, o acesso a um dos  escassos 20 lugares, era imperiosa a prévia chegada, no mínimo, meia-hora antes e, muitas das vezes, uma hora. Ao contrário de hoje, os índices encontravam-se em gavetas com indicações dos núcleos, de procura demorada para quem almejasse encontrar o máximo de informação sobre um tema (como existe, ainda hoje, BNP). Felizmente, para mim foi mais fácil, já que tratando-se de um núcleo documental, as espécies estavam concentradas no mesmo e não dispersas. As mesas para dois leitores eram acompanhadas de longas cadeiras de madeira, diga-se, em boa verdade, bastante desconfortáveis. E, num lugar altaneiro da sala, encontrava-se a arquivista do dia. Para comer e beber algo, dispúnhamos, apenas, de um minúsculo bar, sem mesas ou cadeiras, apenas um balcão, com serviço de cafetaria. Apesar de todas estas carenciadas condições, recordo com saudade as pessoas que conheci, desde arquivistas e funcionários a investigadores, quer pelas gostosas conversas pessoais ou troca de informações de natureza histórica ou cultural, que tínhamos na espera para a entrada no Arquivo ou no exterior quando fazíamos uma pausa na leitura e consulta de documentos ou conversávamos entre o degustar da merenda que, muitos de nós, levavam para o almoço e para o lanche. Éramos quase uma pequena “família”. Ao iniciar a investigação com vista à elaboração da tese de doutoramento, em 1993, passei a frequentar o recém inaugurado (21.12.1990) Arquivo Nacional da Torre. Para além da proximidade com o meu local de leccionação, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, este Arquivo apresentava, como é de todos conhecido, condições logísticas, tanto para as espécies documentais como para os leitores, de notável modernidade, quase de “luxo”, quando comparadas com as do exíguo espaço pertença da Assembleia da República. Surgiram, então, os primeiros computadores na sala de referência com a possibilidade, inédita, de consulta de base de dados. Recordo, contudo, que, na altura (1993-1997),   as minhas incursões em outros Arquivos de Lisboa (ex: Arquivo Histórico do Ministério das Finanças) e nos arquivos e bibliotecas municipais (Óbidos, Sintra, Faro, Caldas da Rainha, Alenquer) mostraram uma realidade bem diferente da que dispunha a nova Torre do Tombo. Um horário muito restrito de consulta, a deficiente catalogação ou inventário documental e o acesso aos mesmos muito dependente da   vontade estrita do arquivista ou do funcionário do arquivo. Não raro, surgiam manuscritos em manifesto estado de decomposição e de impossível leitura face aos espaços lúgubres e húmidos e sem condições para preservar documentos e obras. Realço as inúmeras possibilidades que os jovens investigadores têm hoje, sem sair de casa e via online, de acesso aos inventários dos fundos documentais, entre outras vantagens, com uma poupança inestimável de tempo e de dinheiro. Esta é uma realidade que evoco, muitas vezes, aos meus alunos de mestrado e doutoramento perante a sua impaciência ou contestação face a impedimentos de diversa ordem, mas residuais quando comparados com as épocas passadas do mundo arquivístico.

(Archivoz) É autora de uma vasta e notável obra. Que publicações gostaria de destacar e quais as razões dessa escolha?

(Maria Paula Marçal Lourenço) Destaco, antes de mais, o meu livro, A Casa e O Estado do Infantado (1654-1706). Formas e Práticas Administrativas de um Património Senhorial, edição conjunta da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e do Centro de História da U-Lisboa, 1995. Não apenas porque é o primeiro, como por se tratar de uma investigação inédita sobre esta casa senhorial com vista à obtenção do grau de mestre. Para além da especialização que levei a cabo acerca das Casas da Família Real (Infantado e Rainhas), num período subsequente dediquei-me a uma área de estudo com perspectivas de abordagem metodológica e conceptual renovadas, as biografias de reis e rainhas de Portugal, que galvanizou uma geração de historiadores, a “minha”. Relevo como de maior importância – para além das biografias de D. Afonso VI e de D. Luísa de Gusmão -, quer pela investigação, quer pela profundidade de estudo, a minha obra D. Pedro II. O Pacífico (1648-1706), Círculo de Leitores, CEPCEP, 2007. Ainda aliciada pela temática supracitada, destaco a obra por mim coordenada com a colaboração de Ana Cristina Pereira e de Joana Troni, As Amantes dos Reis de Portugal, A Esfera dos Livros, 2008. Escolho este livro, não apenas pela ausência, naquela época, de estudos recentes sobre este assunto, como por ter incentivado, em anos seguintes, estas duas jovens investigadoras a continuar o aprofundamento das vivências mais íntimas, assim como outras temáticas, dos monarcas portugueses. De menor dimensão e com outra natureza, relevo o livro Rainhas no Portugal Moderno. Casa, Corte, e Património, publicado pelas edições Colibri em 2012, que reflectia já o meu gosto por uma temática de interesse historiográfico mais recente, a Corte dos Reis de Portugal na época moderna. Neste âmbito destaco a participação em obras colectivas, A mesa dos Reis de Portugal (coordenação de Ana Isabel Buescu e David Felismino), Círculo de Leitores, 2011, ou ainda, mais recentemente, “Las Legumbres del Rey”. Mesa y Alimentación en la Corte (siglos XVI-XIX), (coord. Félix Labrador Arroyo e Jorge Pajarín Domínguez), Dykinson, 2020, com um capítulo em cada uma das obras sobre a Mesa das Rainhas de Portugal (séculos XVI-XVIII). Por último, ressalto um texto bastante anterior aos referidos e publicado na, infelizmente, incompleta, Nova História de Portugal, vol. VII, sob a direcção de António de Oliveira Marques e Joel Serrão sobre o “Estado e poderes” (2001) e que seria o início de um interesse constante pela especificidade, quer teórica, quer prática do absolutismo português, assim como de matérias de ordem política e  institucional, tais como o relacionamento  entre os poderes centrais e os municípios e outras instituições de carácter eclesiástico e religioso.

(Archivoz) Em 2005 coordenou o projeto «A vila de Óbidos na Época Moderna», no âmbito da Candidatura de Óbidos a Património Histórico da Humanidade. O que nos pode dizer sobre esta admirável iniciativa e outros projetos que coordenou e que queira relevar?

(Maria Paula Marçal Lourenço) A Rede de Investigação, Inovação e Conhecimento com vista à candidatura de Óbidos a Património Mundial tratou-se de um projecto multidisciplinar com coordenação científica partilhada entre o município e diversas universidades, entre as quais a de Lisboa, integrando mais de uma centena de investigadores de áreas diversas como Arte e Património, Arqueologia, História, Antropologia e Estudos Biofísicos Esta rede de investigação  propunha-se, de forma inédita em Portugal, dar a conhecer e caracterizar Óbidos e o seu território de uma forma tão completa quanto possível, ao serviço da região e da sua identidade. Na circunstância coube-me, entre 2005 e 2008, coordenar o estudo da “Vila de Óbidos na Época Moderna”, terra das Rainhas, e daí a minha escolha para tutelar essa investigação. Constituiu um trabalho deveras aliciante e que permitiu, numa primeira fase, o levantamento e a consulta das chancelarias régias estantes na Torre do Tombo, entre o reinado de D. Manuel I e de D. José I, dando a conhecer o relacionamento administrativo, judicial, económico e religioso entre a Coroa e os poderes locais: municípios, instituições profanas e eclesiásticas. Numa etapa seguinte que, infelizmente, acabou por não se concretizar, era nosso objectivo fazer o levantamento e estudo da documentação da Casa das Rainhas (imensa e deficientemente catalogada) relativa a Óbidos, da Chancelaria da Ordem de Cristo, das Habilitações do Santo Ofício, do Desembargo do Paço, do Arquivo dos Feitos Findos e do Conselho da Fazenda, bem como a documentação de proveniência municipal como registos paroquiais ou as petições locais para a Coroa e, sobretudo, para a Casa das Rainhas. Propúnhamos criar bases prosopográficas que cruzassem elementos onomásticos, cargos, ofícios, títulos, mercês, emolumentos com os dados de outras fontes como, por exemplo, os citados registos paroquiais. Para além disso, almejávamos estudar a regulamentação económica e a intervenção municipal na gestão do património obidense e da prática da justiça e da administração pela edilidade e pelos poderes senhoriais e eclesiásticos. Para este último, era nosso objectivo dar a conhecer a composição social das colegiadas, confrarias, irmandades e misericórdias e a sua articulação com a Casa das Rainhas e com o município.  Tratava-se, pois, de um projecto bastante ambicioso que acabou, desafortunadamente, por não ter persecução, entendendo os responsáveis municipais do mesmo, que face à forte concorrência de outros municípios, igualmente candidatos a Património Mundial, Óbidos não teria possibilidade de ganhar esta candidatura. Um outro projecto, desta feita bastante bem sucedido, foi a realização de um Congresso na Fundación Lázaro Galdiano, em Madrid, coordenado por mim  e pelo Professor Doutor José Martínez Millán, então  Director do Instituto Universitario de “ La Corte en Europa” (IULCE), Universidad Autónoma de Madrid, e com a participação de 59 comunicantes, maioritariamente portugueses e espanhóis, mas  também  ingleses, franceses,  italianos, checos e brasileiros, a larga maioria especialistas no estudo da Casa das rainhas.   Como resultado deste encontro foram publicadas, em 2008, as respectivas actas que constituiram o primeiro volume da nova colecção do mesmo Instituto, com o título Las Relaciones Discretas Entre Las Monarquias Hispana y Portuguesa: Las Casas de Las Reinas (siglos XV-XIX). 

(Archivoz) Para além da participação em vários projetos de investigação nacionais e estrangeiros, recebeu, em julho de 2005, o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian de História Moderna e Contemporânea atribuído à obra A Casa das Rainhas de Portugal (1640-1754), instituído na Academia Portuguesa da História. Qual o significado deste importante reconhecimento?

(Maria Paula Marçal Lourenço) Como pode imaginar ser atribuído à minha tese de doutoramento o prémio Fundação Calouste Gulbenkian de História Moderna e Contemporânea (2005), um dos mais prestigiados concedidos pela Academia Portuguesa da História, constituiu um enorme honra e júbilo. Tendo sido um trabalho apaixonante, mas também uma exigência profissional, nele e com ele “coabitei” (nos arquivos, bibliotecas e em casa) muitas horas, dias e meses, enfim, anos, num total de 840 páginas de texto,  e mais de  1400  páginas de esquemas genealógicos, quadros e gráficos.  À época, tinha transitado de Académica (2001) Correspondente para Académica de Número (2005), o que em conjunto com o prémio configuraram-se como duas sumas distinções que me incentivaram a prosseguir a investigação e a participar de outras actividades universitárias e culturais.

(Archivoz) Na sequência das primeiras questões, e considerando a muito relevante experiência que tem como investigadora, como é que vê o futuro dos arquivos em Portugal e quais é que pensa que são os grandes desafios que se deparam aos profissionais da informação (arquivistas)?

(Maria Paula Marçal Lourenço) Como utilizadora dos arquivos nacionais (centrais e locais) e estrangeiros, desde 1984 até hoje, e tendo vivido- como referi acima – dois tempos completamente diferentes nesse âmbito, constato a existência de um avanço absolutamente notável, quase uma “revolução arquivística” no campo da conservação e catalogação das espécies documentais, bem assim como a sua consulta, presencial ou on-line. Acredito imenso nas potencialidades de uma nova geração de excelentes arquivistas, entre os quais distingo-o a si, estimado colega, que, desde muito cedo, conviveram com as “novas” tecnologias e com pós-graduações feitas e especializadas nesta área, o que estava longe de existir quando comecei as minhas investigações em arquivos e bibliotecas. Tenho, contudo, a noção de que muito existe por fazer: desde a indexação documental exaustiva, que falta, mesmo   em alguns arquivos centrais e, sobremaneira, em vários dos municipais. Sem esquecer os fundos documentais privados, pertença de famílias, e os eclesiásticos, ainda muito ao sabor do critério dos seus donatários quanto à sua consulta. Os desafios são muitos, mas estou convicta que a actual geração de arquivistas e as vindouras, até pela sua formação, e a muito célere e fácil transmissão de saberes e aprendizagens entre os profissionais de informação (videoconferências/congressos, e-mails, PDF’s) trarão uma crescente melhoria de preservação documental, assim como da sua inventariação e consulta. Considero, por isso, que um dos principais desafios que, de futuro, como hoje, se colocam tanto a arquivistas como aos historiadores, em geral,  se prende com a existência de uma política estatal e mesmo mecenática, que passe por ser de acrescido apoio financeiro e que valorize os locais de guarda e de transmissão da nossa memória e identidade: os Arquivos.

(Archivoz) O novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19 colocaram novos desafios aos arquivos, obrigando os seus responsáveis e colaboradores a adaptar-se a novas metodologias e formas de trabalhar. Fazendo uma retrospetiva, que se faz sentir desde meados de março de 2020, entende que, em linhas genéricas, os arquivos portugueses foram capazes de se reinventar e dar uma resposta eficaz aos problemas e oportunidades surgidas?

(Maria Paula Marçal Lourenço) Nos períodos mais graves da pandemia, com os confinamentos e aulas via zoom nos segundos semestres dos anos lectivos (2019/2020 e 2020/21), pouco me desloquei aos arquivos. Quando o fiz, foi em situação de normal consulta. No meu caso, aproveitei muita da documentação fotocopiada e não trabalhada, ainda, por mim. Contudo, apercebi-me pelos relatos dos meus orientandos de mestrado e de doutoramento que tiveram alguma dificuldade em consultar a documentação não digitalizada. Porém, esta situação variou consoante o arquivo ou biblioteca. Sei, contudo, que através das bases de dados disponíveis on-line houve, pelo menos, acesso aos guias e inventários de alguns dos arquivos, possibilitando, ainda, a consulta à distância das espécies documentais digitalizadas. Tal como os docentes e investigadores, os arquivistas tiveram de se adaptar a novas metodologias e formas de trabalho – aulas, reuniões e congressos via zoom- que vieram para ficar, conjugando a primazia do presencial, mas aproveitando as potencialidades da informação ou do comunicar on-line, sobretudo na poupança de tempo e da distância geográfica, alargando o número de beneficiários. Nesse sentido, os arquivistas acompanharam, e bem, esta tendência, tendo todos nós de nos reinventar quotidianamente: no ensino, na divulgação da informação, na sociedade em geral.

(Archivoz) Por último, caso seja possível, gostaria que nos desse conta dos seus projetos futuros, naturalmente indesligáveis dos arquivos.

(Maria Paula Marçal Lourenço) Um projecto que está concluído, mas que a situação pandémica não permitiu a sua efectivação plena, aguardando que seja concretizado em 2023, é o Guia para a Exposição: A Casa das Rainhas com a coordenação do Doutor Bruno Martinho (Parques de Sintra- Monte da Lua), da Professora Manuela   Santos Silva e  de mim  própria (Centro de História-U-Lisboa) e a ajuda prestimosa e indispensável na  leitura e  levantamento documental,  efectuada por duas das nossas antigas alunas  Consistiu na inventariação de boa parte da documentação da vila de Sintra enquanto terra das Rainhas no período medieval e  moderno.  Objectiva-se, com esta parceria entre o Centro de História da U-Lisboa e o Palácio Nacional de Sintra, não só compulsar as espécies documentais existentes sobre a vila enquanto património das consortes régias, como criar um acervo bibliográfico e documental sobre esta matéria e estante no próprio Palácio. A efectuar-se, como esperamos, será a primeira exposição sobre a relação entre Sintra e a Casa das Rainhas, nos períodos mencionados, reflectindo os seus núcleos as diferentes formas de exercício do poder e de tutela das monarcas   no território sintrense.     Ainda só como projecto e que envolveria uma equipa de trabalho e de financiamento de entidades ou fundações, sobretudo estatais, seria o levantamento e consequente tratamento da documentação que diz respeito à organização da Casa dos Reis de Portugal no período moderno (no sentido lato), extensível, possivelmente, ao período medieval e contemporâneo num labor multidisciplinar. Enfim, projectos, não raro, concretizados, alguns que ficaram pelo caminho, e outros que gostaríamos que se tornassem, ainda, realidade. Um pouco daquilo que qualquer docente universitário sonha ao longo da sua carreira académica e profissional: no ensino: suscitando nas novas gerações de alunos o gosto pelo(s) saber(es) histórico(s); na pesquisa: continuar a aprofundar novos e diferentes trilhos de investigação. Todo o labor de uma vida- sempre curta, mesmo que longa.

Entrevistada: 

Maria Paula Marçal Lourenço

Maria Paula Marçal Lourenço

Professora Auxiliar do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Maria Paula Marçal Lourenço é docente de História Moderna do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, desde 1990, onde defendeu a sua tese de doutoramento em 2000. Foi bolseira da JNICT e da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos. É membro do Centro de História da Universidade de Lisboa, Académica de Número da Academia Portuguesa da História e investigadora do Instituto Universitário de “la Corte en Europa” da Universidad Autónoma de Madrid. Para além da colaboração em vários projectos de investigação nacionais e estrangeiros e diversas participações em congressos e encontros científicos (Madrid, Granada, Londres, Winchester, Leiden, Berlim, Budapeste, Brasil), foi a coordenadora principal da área de História Moderna da candidatura de Óbidos a Património Histórico Mundial. Recebeu, em 2005, o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian de História Moderna e Contemporânea, atribuído à sua tese de doutoramento, A Casa das Rainhas de Portugal (1640-1754), instituído pela Academia Portuguesa da História. A sua investigação centra-se, primacialmente, no estudo das casas senhoriais, com especial com relevo para as Casas da Família Real, privilegiando, mais recentemente, as temáticas relativas às biografias de reis e rainhas de Portugal e, por outro, a importância da corte portuguesa na época moderna. Entre as publicações de maior destaque, citem-se: A Casa e o Estado do Infantado (1654-1706): Formas e práticas administrativas de um património senhorial, Lisboa, JNICT/Centro de História, 1995; «Estado e poderes», Nova História de Portugal (direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), Vol. VII, Portugal da Restauração ao Ouro do Brasil (coordenação de Avelino Freitas de Meneses), Lisboa, Presença, 17-89; D. Pedro II, O Pacífico (1648-1706), coordenação de Roberto Carneiro e João Paulo Oliveira e Costa, Lisboa, Círculo de Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas, 2007; Amantes dos Reis de Portugal (coordenação de Paula Lourenço), Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Lisboa, A Esfera dos livros, 2008; Maria Paula Marçal Lourenço, D. Afonso VI. O Vitorioso (1656-1683). Dinastia de Bragança, Lisboa, Academia Portuguesa da História, Quidnovi, 2009; Maria Paula Marçal Lourenço, Ricardo Fernando Pinto, D. Luísa de Gusmão (1613-1666). Restaurar, Reinar e Educar, Lisboa, Gradiva, 2012; Maria Paula Marçal Lourenço, Casa, Corte e Património, Lisboa, Edições Colibri, 2012.

Entrevistador:

Paulo Jorge dos Mártires Batista

Paulo Jorge dos Mártires Batista

Editor en Archivoz

Investigador integrado del CIDEHUS.UÉ – Centro Interdisciplinario de Historia, Culturas y Sociedades de la Universidad de Évora. Portugal. Doctor en Documentación (Universidad de Alcalá – UAH). Maestro en Ciencias de la Información y Documentación – Archivística (Facultad de Ciencias Sociales y Humanas de la Universidad Nueva de Lisboa – FCSH-UNL). Máster en Documentación (UAH). Diploma de Estudios Avanzados de Doctorado en Bibliografía y Documentación Retrospectiva en Humanidades (UAH). Posgrado en Derecho de la Sociedad de la Información (Facultad de Derecho de la Universidad de Lisboa) y en Ciencias de la Información y Documentación – Biblioteconomía y Archivística (FCSH-UNL). Especialización en Buenas Prácticas en Gestión Patrimonial y en Ciencias de la Información y Documentación – Archivística (FCSH-UNL). Licenciado en Historia (Facultad de Letras de la Universidad de Lisboa). Técnico superior en el Archivo Municipal de Lisboa de Ayuntamiento de Lisboa. Fue profesor en la Maestría en Ciencias de la Información y Documentación de la FCSH-UNL, técnico superior en el Instituto Portugués del Patrimonio Cultural, Instituto Portugués del Patrimonio Arquitectónico y en el Archivo Nacional de la Torre do Tombo, y investigador en el Centro de Estudios de Historia y Cartografía Antigua del Instituto de Investigación Científica y Tropical. Autor de publicaciones en revistas de la especialidad portuguesa y extranjera, en libros de coordinación diversa y artículos científicos presentados en congresos nacionales e internacionales.

Imagem cedida pela entrevistada: Rosto de Sermão Histórico e Panegírico, (em itálico) do padre António Vieira. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Misc. CCLXV, número 4404.

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