Entrevistámos Ana Paula Figueiredo, Chefe de Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém (DADB/FS) da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

(ARCHIVOZ) Gostaria que nos apresentasse o seu trajeto profissional e académico, até chegar a Chefe de Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém (DADB/FS) da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

(Ana Paula Figueiredo) O meu nome é Ana Paula Figueiredo e a minha ligação ao mundo da documentação e dos arquivos é muito recente.

A minha formação académica passa por uma licenciatura em História – variante História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo feito especialização (Mestrado e Doutoramento) em Arte, Património e Restauro, no mesmo estabelecimento de ensino, onde tive oportunidade de aprofundar os meus conhecimentos na área da arquitetura religiosa.

Após alguns anos de docência, ingressei na Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), em março de 2000, onde desenvolvi trabalho na área de inventário de património arquitetónico, tendo sido um dos elementos que compunha a vasta equipa do projeto de Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA).

O SIPA é um sistema de informação e documentação sobre património arquitetónico, urbanístico e paisagístico português e de origem ou matriz portuguesas. A gestão e o desenvolvimento do SIPA orientam-se pelo princípio segundo o qual a produção e aquisição, a conservação, a divulgação e difusão de informação e documentação autêntica e de qualidade relacionadas com os diversos valores territoriais em presença — designadamente o património arquitetónico, urbanístico e paisagístico —, são atividades essenciais tendo em vista a identificação, o reconhecimento e a compreensão, assim como a gestão, a salvaguarda e a valorização dos referidos bens culturais.

Após uma passagem pelo IHRU (2007-2015), onde o SIPA esteve integrado, o projeto passou a ser tutelado pela DGPC, que vislumbrou a oportunidade de desenvolver uma política séria de arquivo, que permitisse cuidar dos acervos produzidos pelas entidades que a antecederam, na área da Cultura (IPA, IMC, IPPAR, IGESPAR), e das coleções documentais dos palácios e museus. Era a oportunidade de criar uma visão integrada dos vários acervos existentes, tirando partido da existência de um edifício e metodologias de trabalho estabilizadas na área da documentação relacionada com o património arquitetónico.

É neste contexto que, em fevereiro de 2020, é criada a divisão de Arquivo e Bibliotecas da DGPC, tendo-me tornado chefe desta divisão, não tanto pelos conhecimentos na área de arquivo, mas pela visão global que permite dar continuidade à associação de um arquivo a um projeto de inventário de património, disponibilizando ao investigador, de forma estruturada, documentação e informação sobre esta vasta temática.

(ARCHIVOZ) O que nos pode dizer sobre a Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém, desde onde é que se encontra localizada, à sua missão, visão e competências, enquadramento orgânico, e tudo o mais que considere para a sua melhor compreensão?

(Ana Paula Figueiredo) A Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém (DADB/FS) foi criada em janeiro de 2020 (Despacho 414/2020) e integra a Direção dos Bens Culturais da DGPC. Encontra-se sediada no Forte de Sacavém, um edifício de origem militar, reabilitado no final do séc. 20, para acondicionar o arquivo da DGEMN.

No Forte estão instalados os arquivos da ex-DGEMN, vários espólios de arquitetos e artistas plásticos do séc. 20, alguns acervos do ex-IMC, o ADF (Arquivo de Fotografia), a Biblioteca SIPA (integra a biblioteca do ex-IGAPHE), a Biblioteca de Património e o sistema de Inventário. Além dos arquivos, a DADB/FS tutela algumas bibliotecas instaladas em outros serviços geridos pela DGPC, como a Biblioteca de Arqueologia (Palácio da Ajuda) e a Biblioteca de Conservação e Museus (Instituto José de Figueiredo).

A esta Divisão compete, no que aos arquivos diz respeito, manter os conjuntos documentais existentes no Forte e articular o tratamento arquivístico dos vários acervos dos serviços centrais e serviços dependentes (Museus e Palácios), promovendo a sua digitalização e disponibilização sistemática, dando origem a uma verdadeira política de arquivo no seio da DGPC.

(ARCHIVOZ) O novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19 colocaram novos desafios aos serviços de informação, obrigando os seus responsáveis e colaboradores a adaptar-se a novas metodologias e formas de trabalhar. De que modo é que neste período tão singular, difícil e exigente, a Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém foi capaz de uma resposta eficaz aos problemas e oportunidades surgidas? Da organização do trabalho interno ao atendimento ao público e difusão da informação, o que mudou? Que estratégias foram, e estão a ser desenvolvidas nesse sentido, de forma a atenuar os seus efeitos?

(Ana Paula Figueiredo) O encerramento do atendimento ao público e o teletrabalho, foram, no contexto de atividades da DADB/FS, muitíssimo bem aproveitados, permitindo a preparação das bases de dados existentes para migração para um novo sistema de informação ou tratamento/correção dos existentes.

Este trabalho foi desenvolvido procurando dar resposta aos desafios do projeto ROSSIO, uma infraestrutura portuguesa de investigação de referência para as Ciências Sociais, Artes e Humanidade, integrada no Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico para 2014 – 2020, coordenada pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Nova e reunindo um consórcio composto por um número ímpar de prestigiadas entidades – a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, a Direção-Geral do Património Cultural, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Município de Lisboa, e o Teatro Nacional D. Maria II.

O ROSSIO tem como objetivo principal a criação e alimentação de uma plataforma de divulgação de conteúdos digitais na área das Humanidades, de qualidade e de acesso aberto, com parâmetros definidos e transversais a todas as instituições, contribuindo para a excelência e a internacionalização da investigação.

Assim e durante este período, foi possível desenvolver uma série de instrumentos de pesquisa, associados aos arquivos, nos seus vários níveis hierárquicos, que permitam fiabilizá-las, facilitando a vida a um vasto universo de utilizadores. A experiência no atendimento ao público (presencial e à distância), foi fundamental para percebermos os tipos de pesquisa efetuados pelo investigador, pelo turista ou simplesmente pelo público interessado em património, e cremos que as ferramentas que estamos a criar irão dar resposta, de forma muito intuitiva, às necessidades de todo um universo de interessados e de investigadores do nosso atual e futuro website.

Este período constituiu, pois, para a DADB/FS o ponto de paragem que era necessário para levar a cabo a hercúlea tarefa de revisão das bases de dados.

A política de digitalização e disponibilização de informação permite satisfazer a maior parte das necessidades dos utilizadores do nosso arquivo, minimizando, cada vez mais, as consultas presenciais, pelo que houve, obviamente, algum impacto e atraso nas investigações em curso, mas nunca uma enorme lista de espera para consulta da documentação.

(ARCHIVOZ) O que nos pode dizer dos arquivos pessoais e espólios na posse ou à guarda da Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém? Esses acervos encontram-se todos e integralmente disponíveis para consulta pública, presencialmente e/ou à distância? Os arquitetos, os arquitetos paisagistas, os gabinetes de arquitetura, sobretudo estes, mas também os artistas plásticos, os designers, os desenhadores, os investigadores, etc., estão preparados E são sensíveis à importância de doar e depositar os seus acervos, com vista à sua disponibilização ao público, ou seja, o acervo patrimonial original tem vindo a ser enriquecido com outras incorporações patrimoniais, científicas, artísticas, etc., relativas à arquitetura e urbanismo, e mesmo outras? Se sim, qual a dinâmica nesse sentido?

(Ana Paula Figueiredo) Os espólios que a DADB/FS tutela, integram nomes incontornáveis da arquitetura portuguesa do séc. 20. Alguns dos espólios encontram-se praticamente integrais, enquanto documentação produzida por um gabinete de arquitetura ou de um artista plástico, como os de Nuno Teotónio Pereira, de Vítor Figueiredo, de Raúl Chorão Ramalho, de Eduardo Nery, de Daciano da Costa ou, o primeiro a integrar o SIPA, do arquiteto Frederico George. Não podemos deixar de destacar a presença muito significativa dos principais nomes da primeira geração de Arquitetos Paisagistas em Portugal, como Francisco Caldeira Cabral, Viana Barreto ou Gonçalo Ribeiro Telles.

Toda a documentação que se encontra no Forte de Sacavém está consultável, presencialmente ou on-line no site www.monumento.gov.pt, onde se encontram disponíveis 193.536 desenhos, 719.167 fotografias e 12.504.736 páginas de documentação textual. A documentação não disponibilizada poderá ser alvo de consulta presencial, sempre mediante marcação.

Os produtores de documentação autêntica sobre património e arquitetura estão cientes da necessidade de divulgar e preservar os seus acervos, estando muito sensibilizados para a sua cedência a instituições onde essa prática já exista. O SIPA continua a receber solicitações de integração de espólios de arquitetura, tendo, durante o presente ano, recebido o do arquiteto José Correa Guedes e estando a aguardar a entrega do fundamental acervo do arquiteto paisagista Edgar Sampaio Fontes.

Obviamente, que a necessidade premente de tratar a documentação institucional dos organismos que antecederam a DGPC, informação essencial sobre património, irá condicionar um pouco esta tendência, mas nunca foi intenção deste organismo da Cultura terminar este ciclo de incorporações, que se irá manter, mas de forma mais seletiva.

(ARCHIVOZ) Qual a documentação mais consultada e a que origina mais pedidos de reprodução, por quem (qual o utilizador-tipo) e para que fins?

(Ana Paula Figueiredo) A documentação consultada varia muito, consoante as investigações e as tendências que estas seguem, ciclos expositivos, etc.

Contudo, poderemos afirmar que os documentos mais solicitados, são os espólios dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Vítor Figueiredo.

(ARCHIVOZ) Qual a diferença entre arquivos de arquitetos e arquivos de arquitetura, o que se entende, afinal, por documento de arquitetura?

(Ana Paula Figueiredo) No Forte de Sacavém, guardam-se arquivos produzidos por gabinetes de arquitetura – arquivos de arquitetos -, que documentam o percurso criativo da sua obra final.

Contudo, o Forte e o SIPA são muito mais do que isso. Trata-se de um sistema para o estudo do património, na sua versão mais lata, que soube, desde a sua génese, perceber que o documento não vive sem a obra e esta só é entendida plenamente à luz da documentação produzida durante o seu processo criativo, a sua construção ou a sua reabilitação.

É nesse sentido, que o SIPA é único, pois associa um determinado bem patrimonial a um registo de inventário e a um vasto acervo documental que permite recuperar as ações de criação, valorização, recuperação… levadas a cabo por vários agentes.

A preponderância do património arquitetónico vai desparecer com o novo sistema de informação, que vai permitir, numa única base, ligar documentação a registos de bens imóveis, móveis e imateriais, alargando o leque do que, até aqui, era consultável no website.

(ARCHIVOZ) Considerando a importância crucial da difusão da informação, no quadro das funções arquivísticas, diga-nos como é efetuada a disponibilização da informação à responsabilidade da Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém, como é possível aceder a esta e que outras atividades são desenvolvidas pela Divisão que dirige, por exemplo, ao nível de instrumentos de acesso à informação, como guias de fundos, catálogos, inventários, etc.?

(Ana Paula Figueiredo) A documentação, digitalizada ou não, é pesquisável no website referido supra, permitindo ao investigador selecionar, de imediato, o que pretende consultar. Caso persistam dúvidas, existe diariamente um serviço de apoio telefónico.

Quando um fundo é incorporado, procura-se elaborar um tratamento arquivístico elementar, que permita, numa primeira fase, organizar a informação de modo hierárquico.

A partir deste, é elaborada a descrição final e imediatamente disponibilizada na base de dados, mesmo que o fundo não tenha ainda sofrido qualquer tipo de digitalização.

Na DADB/FS, o catálogo encontra-se on-line.

(ARCHIVOZ) Quais os principais projetos que se encontram em curso e os que estão planeados ao longo deste ano e de 2022 pela Divisão de Arquivo, Documentação e Bibliotecas/Forte de Sacavém?

(Ana Paula Figueiredo) O ano de 2022 revelar-se-á auspicioso para a DADB/FS.

No início do ano, teremos toda a documentação, inventário e bibliotecas disponíveis na plataforma ROSSIO, culminando um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido em gabinete, no que concerne a criar linguagens controladas, que integram um vasto Tesauro, também este a disponibilizar.

Pensamos que será também a data em que grande parte dos fundos dos organismos que antecederam a DGPC venham a transitar para o Forte e fiquem disponíveis para consulta pública. Falamos de documentação relativa a processos de classificação, licenciamentos de obra, teorias patrimoniais, pareceres…. Enfim! Uma imensidão documental que conta a história do Património em Portugal durante o séc. 20.

(ARCHIVOZ) Como encara o futuro dos arquivos de arquitetos e de arquitetura em Portugal, e quais é que pensa serem os grandes desafios que os profissionais dos arquivos têm de enfrentar, ao nível da organização, preservação e comunicação da memória desses espólios?

(Ana Paula Figueiredo) Creio que o trabalho realizado ao longo de mais de uma década, permitiu preparar o caminho futuro. Os produtores estão sensibilizados para a necessidade de preservação da documentação, os instrumentos de divulgação e descrição já existem em várias instituições especializadas, os investigadores estão atentos e ávidos de informação.

Penso, pois, que o maior desafio será saber aproveitar, de forma eficaz, esta dinâmica entre todos os agentes.

(ARCHIVOZ) Um assunto que, infelizmente, continua a marcar a atualidade é o novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19, que colocaram novos desafios aos serviços de informação arquivística (arquivos), fazendo com que os seus responsáveis e colaboradores tivessem de se adaptar a novas metodologias e formas de trabalhar. Procurando fazer uma análise desta nova realidade, que começou em meados de março de 2020, entende que, genericamente, as instituições portuguesas que têm à sua responsabilidade arquivos de arquitetos e de arquitetura, foram capazes de se adaptar e responder eficazmente aos desafios e oportunidades surgidas?

(Ana Paula Figueiredo) Penso que sim, pois as possibilidades de comunicação entre os vários arquivos multiplicaram-se, criando a oportunidade de uma troca saudável de experiências e metodologias, que, se não tivéssemos este desafio, provavelmente não teria ocorrido. Creio que, apesar de todas as vicissitudes, conseguimos estar todos muito próximos e solidários na forma de trabalhar

 

Imagem cedida pelo entrevistado.


Entrevista realizada por: Paulo Jorge dos Mártires Batista

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