Hoje entrevistamos Fernanda Silva, professora-bibliotecária, da Escola Irene Lisboa no Porto, para nos dar a conhecer o panorama das bibliotecas escolares em Portugal.

(Archivoz) O que a fez tornar-se professora bibliotecária?

(Fernanda Silva) Desde sempre me questionei sobre o papel da biblioteca para onde, até há pouco tempo, eram encaminhadas as pessoas com problemas de saúde variados (sem qualificação para a área das bibliotecas), pelo facto de ser um espaço calmo e resguardado da vida da escola. Por outro lado, o elevado número de alunos da minha disciplina, por força do reduzido número de horas letivas, provocou um desgaste que me motivou a ter uma nova experiência no ensino.

(Archivoz) Em 2013 defendeu a sua tese em que defendia uma reflexão participada entre bibliotecários, diretores das escolas e professores. Acredita que ainda é um tema pertinente no atual panorama das bibliotecas escolares portuguesas?

(FS) A situação das bibliotecas escolares portuguesas, sob o ponto de vista teórico, tem-se mantido relativamente inalterável de há alguns anos a esta parte e ancora-se nas melhores orientações internacionais. Essa reflexão participada entre bibliotecários, diretores das escolas e professores é sustentada pela American Association of School Librarians (AASL), segundo a qual os professores bibliotecários devem colaborar com os órgãos de gestão escolar, com os professores, assim como com todos os elementos que direta ou indiretamente se relacionam com a comunidade educativa, na planificação de atividades que promovam competências em literacia da informação, assim como na seleção dos suportes da informação que deverão ser o mais variados possível; também o Manifesto da Biblioteca Escolar da UNESCO (1999) é muito claro no destaque dado ao trabalho colaborativo. Todas estas orientações encontram-se plasmadas nos normativos portugueses estruturantes, tais como a portaria 756/2009, de 14 de Julho, que estabelece claramente as regras de designação de docentes para a função de professor bibliotecário, considerando que é da competência do professor bibliotecário definir e operacionalizar uma política de gestão dos recursos de informação, promover a sua integração nas práticas dos professores ao apoiar as atividades curriculares; promover o desenvolvimento de competências da leitura, da literacia da informação e das competências digitais e colaborar com todas as estruturas da escola. No Programa da Rede de Bibliotecas Escolares, Quadro estratégico 2014-2020, delega-se explicitamente às bibliotecas a responsabilidade de promover o trabalho colaborativo com os docentes, de participar em projetos e em atividades pedagógicas, contribuindo para a melhoria dos resultados dos alunos e para a resolução de problemas de aprendizagem. Também no Modelo de Auto-Avaliação das Bibliotecas Escolares, assente em quatro domínios de ação da biblioteca escolar, destacamos o domínio A. “Apoio ao Desenvolvimento Curricular”, com o seu subdomínio: “A.1. Articulação Curricular da BE com as estruturas pedagógicas e os docentes”, no qual se declara expressamente a linha de ação que a RBE pretende implementar relativamente ao trabalho colaborativo entre os docentes e o professor bibliotecário. No Referencial Aprender com a Biblioteca Escolar, documento aplicado em cerca de meio milhar de escolas na sua fase de projeto piloto em 2012, pretendeu-se demonstrar a vantagem do papel da biblioteca enquanto espaço educativo integrador das diversas literacias, também no Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei nº15 de 2007, de 19 de Janeiro), se reafirma no seu artigo 45º, ponto 2, alínea d) a importância da “Participação dos docentes no agrupamento/escola e apreciação do seu trabalho colaborativo em projetos conjuntos de melhoria da atividade didática e dos resultados das aprendizagens (…)”, o que justificará por parte dos docentes, embora não de forma expressa, a imprescindibilidade da sua colaboração com a biblioteca.

Assim, tanto na literatura como nas reformas educativas, o ato educativo tem uma dimensão social, na qual a interação e interdependência de todos os que nela intervêm, -cada um com as suas características, competências individuais, mas em concertação -, são entendidos como recurso, contribuindo determinantemente para a autonomia e eficácia do ato educativo e, em última instância, para uma cultura de escola.

(Archivoz) Há um novo sentido para as bibliotecas escolares. Estarão os profissionais das escolas devidamente preparados?

(FS) Esse sentido não é novo, bem pelo contrário. Portugal é dos pouco países da Europa que apostou e ainda aposta na existência do cargo de professor bibliotecário. Nessa sequência, a formação tem sido criada/ facultada, mas não tenho a certeza de todas as bibliotecas se pautarem pelo mesmo entendimento desses pressupostos teóricos.

(Archivoz) como encara a evolução das bibliotecas escolares em Portugal?

(FS) Penso que não se tem verificado evolução nas nossas bibliotecas. Estas têm, na sua origem, finais dos anos 90, um quadro conceptual vanguardista, mas a sua aplicabilidade, na minha opinião, tem sido retardada, por vários fatores, nomeadamente pela negligência a que tem sido votado o seu estudo na formação dos diretores das escolas. Daí não perceber muito bem a razão da ênfase que a RBE atribui ao professor bibliotecário e ao seu perfil de liderança no sucesso das bibliotecas – algo subjetivo e circunstancial- absolutamente discutível, pois pela insistência nesse perfil de líder, parece remeter para segundo plano a importância do órgão de gestão, importância essa claramente expressa em orientações internacionais estruturantes nas quais se sustentam as orientações da própria RBE.

Concordamos que o professor bibliotecário deva possuir capacidade de iniciativa, ter uma visão ampla das aprendizagens dos alunos assim como dos diferentes aspetos do currículo, dominar competências de informação, de comunicação e liderança, gerar confiança, mas também consideramos que ele seja apenas um dos agentes transformadores de práticas de trabalho isolacionistas (caracterizadoras do nosso sistema de ensino), em colaborativas e que, quando muito, poderá ter um papel tão ativo nessa transição de modelos de trabalho antagónicas quanto as estruturas de gestão institucional e intermédia. Um desenvolvimento sustentado da BE que permita a sua rentabilização não pode ser atribuído às capacidades individuais de liderança, dos elementos das equipas. Consideramos, tal como os estudos internacionais já anteriormente referidos, que os serviços e programas fornecidos pela biblioteca escolar devem ser desenvolvidos de forma colaborativa pelo professor bibliotecário, sim, mas em concertação com o diretor, com os coordenadores dos diversos departamentos, com colegas de ensino, com responsáveis de outras bibliotecas e com membros da comunidade com características culturais, linguísticas ou étnicas específicas, de forma a contribuírem para a consecução dos objetivos académicos, culturais e sociais da escola. Numa vertente prática, recorrendo a alguns exemplos simplistas, consideramos que não se pode conceber que a constituição da coleção de recursos físicos e digitais de uma dada escola não surja de um esforço colaborativo dos professores em concertação com o professor bibliotecário, não apenas porque os primeiros são especialistas nas suas disciplinas, mas principalmente porque são conhecedores das especificidades/necessidades dos seus alunos; não se pode planificar atividades pedagógicas em literacia e promoção da leitura, literacia dos média, da informação e digital, aprendizagem baseada em investigação, integração das tecnologias e valorização da literatura e da cultura sem se terem conta as áreas deficitárias ou características específicas dos alunos do Agrupamento.

(Archivoz) Ainda é pertinente um repositório digital em bibliotecas escolares?

(FS) O valor dos repositórios digitais é intrínseco e plenamente justificável em toda e qualquer organização. Estes devem ser capazes de absorver qualquer um dos ativos digitais produzidos no âmbito do quotidiano (por exemplo, documentos de trabalho, documentos administrativos, portefólios eletrónicos, relatórios anuais da instituição, gravações em vídeo, programas de computador, fotografias, qualquer material digital produzido por estudantes, pelo corpo docente, materiais complementares de livros e artigos, revistas online e monografias planos curriculares, resultados de exames, relatórios anuais da instituição e dos seus departamentos, além de muitos outros registos), reduzir a sua dispersão, promover a sua preservação ao longo do tempo, e difundir o conhecimento e o livre acesso ou acesso condicionado a materiais significativos dessa mesma organização.

Um repositório digital enriquece a vida organizacional da escola porque fornece não só uma visão abrangente dos produtos organizacionais, como promove, em última instância, a criação e divulgação de uma identidade própria.

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