No dia 28 de outubro de 2022, realizou-se na Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, em Matosinhos, o 4º Encontro Cidades, Arquitetura e Arquivos no Contexto Ibero-americano, organizado pela Casa da Arquitectura, o CIDEHUS.UE – Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora, e o Iscte-IUL – DINÂMIA’CET, o Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do Iscte.

Se nas edições precedentes, concretizadas na Universidade de Évora (2019), no Centro de Informação Urbana de Lisboa – CIUL (2020) e na Casa da Arquitectura (2021), este evento teve como coordenadores científicos Paulo Batista (CIDEHUS.UE) e Ricardo Costa Agarez (Dinâmia’CET-IUL / CIDEHUS.UE), o Encontro deste ano contou com a supradita coordenação de Paulo Batista e Paulo Tormenta Pinto, do Iscte-IUL – DINÂMIA’CET.

Em comum às quatro edições, a presença de arquitetos, investigadores de arquitetura e arquivistas dos meios académicos e municipais/distrital.

De igual modo, o formato deste Encontro desenvolveu-se em quatro painéis, dois de arquitetura, da autoria de Paulo Tormenta Pinto, e outros tantos sobre arquivos, assinados por Paulo Batista, cada um com duas apresentações, perfazendo oito conferências, cujos resumos, que elencamos de seguida, são da autoria dos respetivos oradores.

Painel I – Arquitetura e Arquivos Fílmicos e Digitais

A primeira conferência deste painel, moderado por Paulo Tormenta Pinto, pertenceu a Joaquim Moreno, professor auxiliar de Teoria e História da Arquitectura na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e teve como título Arquivo em movimento.

Segundo o autor, “Arquivos em movimento quer dizer sobretudo arquivos de imagens em movimento, e o modo como se futuram alguns desses arquivos e como as imagens em movimento podem ser o suporte do arquivo. Durante os anos 1970, a Universidade Aberta inglesa ia para o ar na rádio e na televisão da BBC, e organizar um arquivo desta experiência exigia captar a sua televisualidade e devolvê-la ao contacto com novos modos de emissão e receção, com a cumplicidade institucional de um outro arquivo, o Centro Canadiano de Arquitectura. Estudar este material exigia também alguma apropriação dos seus métodos e dos seus meios, e fixar, ou arquivar, este estudo através das imagens em movimento. Um duplo movimento: voltar a emitir e captar o movimento das narrativas que desapareceram no ar.”

A conferência seguinte deste painel, de Alexandra Areia, do ISCTE-IUL | DINÂMIA’CET-IUL, centrou-se À Volta da Arquitectura: Televisão, arquivo e cultura arquitectónica.

Como a sua autora assinalou, “A partir da evocação dos programas de televisão de autoria e apresentação de três reconhecidos arquitectos portugueses — Nuno Portas (À Volta da Cidade, RTP 1978/79), Manuel Graça Dias (Ver Artes, RTP 1992-96) e José Mateus (com Pedro Gadanho: Tempo & Traço, SIC Notícias 2002/03) — procurar-se-á analisar a especificidade do formato televisivo como espaço de produção e divulgação de cultura arquitectónica em Portugal. Separados no tempo por diversas décadas, estes três programas de televisão fornecem lugares privilegiados de observação sobre os principais temas que, à época da sua realização, dominavam os debates culturais sobre arquitectura, construção e território. À luz dos dias de hoje, estas produções televisivas vêm ainda levantar significativas questões em torno das exigências e condicionantes associadas ao arquivamento e preservação deste tipo de objectos fílmicos, assim como das limitações concretas no acesso, consulta e possibilidade de visionamento destes materiais na actualidade. A presente comunicação pretende assim refletir sobre televisão e arquitectura num ambíguo paradoxo, entre o imediatismo da experiência associada ao consumo televisivo (com episódios pensados para serem exibidos uma só vez e logo a seguir esquecidos, obliterados pela programação que lhes sucede) e a intemporalidade do arquivo, onde os mesmos episódios podem ser hoje, e amanhã, ciclicamente revisitados, relidos e reapropriados.”

Painel II – Arquitetura e Arquivos do Brasil

Nelson Vaquinhas, do Município de Loulé | CIDEHUS.UÉ, moderou este painel.

O primeiro orador foi José Silva, da Casa da Arquitectura, que apresentou O cuidar do legado de um gigante – Paulo Mendes da Rocha.

Para o autor, “a doação, por parte do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, à Casa da Arquitectura, de todo o seu acervo profissional, e todo o processo, bem como os desafios, em que consistiu a recolha e vinda do mesmo, para Portugal. Desde um trabalho preparatório realizado no Brasil, de organização, pré-inventariação e acomodação deste património documental, e o seu transporte para Portugal, com a devida autorização do governo brasileiro, até ao trabalho que ainda hoje é realizado na Casa da Arquitectura, que vai desde a higienização, planificação de desenhos, tratamento preventivo, digitalização e registo fotográfico, catalogação física e analógica, acomodação, e por último, e a ir ao encontro do maior desejo do doador, a disponibilização universal da documentação, no edifício digital da Casa da Arquitectura.”

Este painel, e os trabalhos da manhã, encerraram com Monica Frandi Ferreira, do Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro, no Estado de São Paulo, Brasil, cuja apresentação deu conta dA arquitetura revelada nos documentos de arquivo – O tratamento técnico dos processos de construção de obras particulares em Rio Claro

Como destacou, “esta comunicação objetiva apresentar as ações que estão sendo planejadas e implementadas pela equipe do Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro/SP, visando o tratamento técnico da série documental “Processos de Construção de Obras Particulares”.

Esses registos constituem parte expressiva do conjunto documental salvaguardado nos arquivos públicos municipais brasileiros, são originários do controle oficial da construção de edificações, e estão dentre os processos com maior demanda de consulta, tanto pela administração local, quanto pelos munícipes interessados em comprovar direitos e em realizar qualquer atividade relacionada à construção civil em suas propriedades.

Esses documentos de arquivo seguem padronização estabelecida em legislação municipal e são concebidos em linguagem técnica definida no âmbito da engenharia e da arquitetura, espelhando a fase final da atividade projetual. São diversas as particularidades formais e funcionais que estão sendo consideradas na organização desses acervos, principalmente na identificação de tipos documentais, de maneira que o projeto descritivo concilie aspetos da linguagem arquitetónica com questões conceituais da arquivologia, priorizando o contexto de produção e a compreensão intelectual plena desses documentos.

Neste sentido, as ações que estão sendo desenvolvidas para preservação, organização, acesso e difusão da série documental “Processos de Construção de Obras Particulares”, vislumbram assegurar amplo acesso à informação, garantindo celeridade no atendimento às solicitações da comunidade e contribuindo para revelar, amplamente, o potencial probatório e informativo da fonte.”

 

Painel III – Arquitetura e Arquivos Literários e Artísticos

O terceiro painel foi moderado por Paulo Tormenta Pinto, cuja primeira oradora foi Carolina B. Garcia-Estévez, da Universidad Politécnica de Cataluña, UPC BarcelonaTech, Espanha, com a comunicação Nachleben: Rainer Maria Rilke y la paradoja literaria de un archivo discontinuo.

No resumo da sua apresentação, referiu que “La imaginación literaria de Rainer Maria Rilke alrededor de las artes y los escenarios urbanos de su producción escrita se despliega en muy diversos formatos: desde cartas, diarios, ensayos, novelas autobiográficas, hasta el más elevado de todos, la poesía. Un registro que se sustenta en una paradoja: la de construir, en ausencia del objeto, su realidad material a través de la palabra. A la vez que condensa el drama de una vida apátrida que jamás aspiró a fijar su memoria en casa alguna.

La dispersa y dificultosa localización de las fuentes hace que el suyo sea el ejemplo de un archivo definitivamente inconcluso y discontinuo que supera las cambiantes fronteras geográficas de su obra, desde Europa hasta América, a causa del innúmero de interlocutores que ocuparon sus días. Valgan como ejemplo los Rainer Maria Rilke papers de la Universidad de Harvard adquiridos en 1953, o la correspondencia del poeta con el editor Kurt Wolff conservada en la Yale Collection of German Literature.

La presente conferencia recorrerá, desde el concepto de pervivencia (nachleben), algunos de los aspectos que hacen de la palabra escrita de Rilke un legado excepcional: desde la destrucción de su biblioteca en París el verano de 1914 hasta su exilio final en Suiza en 1919, la creación de su archivo familiar tras su muerte en 1926, o la labor de curador a la que se encomendó su editor en Insel, Anton Kippenberg, tras la donación al Deutsches Literaturarchiv Marbach de los manuscritos de las obras del poeta.”

Por sua vez, Rodrigo Queiroz, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Brasil, apresentou Uma coleção de mobiliário arte déco em um Museu de Arte Contemporânea.

Segundo o mesmo “em 2021, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) recebeu o acervo de mobiliário e objetos art déco do casal de colecionadores Fulvia e Adolpho Leirner. Entre obras têxteis, esculturas, pinturas, obras em papel, cartazes, objetos utilitários e mobiliário, destaca-se a última categoria, que possui entre seus exemplares os móveis, já nem tanto alinhados à caligrafia estriada art déco e próximos da abstração construtiva moderna, desenhados pelo arquiteto lituano radicado em São Paulo, Gregori Warchavchik, para ocuparem os espaços de sua residência particular, projetada em 1927 e compreendida pela historiografia como sendo o primeiro exemplar da arquitetura moderna no Brasil, mais conhecida como Casa Modernista da Rua Santa Cruz.

A maioria dos demais itens da coleção doada ao MAC-USP, estes alinhados à gramática formal e visual art déco, é de autoria do casal John Graz e Regina Gomide Graz, assim como do irmão de Regina, Antonio Gomide.

Após sessenta anos, o MAC-USP reconhece e acolhe em seu acervo itens utilitários que ultrapassam as especificidades contemplativa e experiencial das artes visuais. Se o espaço moderno só se realiza por meio da efetiva indistinção entre arte e vida, será justamente o desenho dos objetos de uso doméstico, elaborados sob a égide da simplificação operacional e da estética moderna, que concretizará esse espaço moderno, onde a arte está impregnada na linguagem e no raciocínio projetual desses objetos do cotidiano. Nesses termos, nada mais lúcido que um museu de arte moderna e contemporânea compreenda a pertinência de se receber em seu acervo itens utilitários fundamentais à popularização do modernismo no Brasil.”

 

Painel IV – Arquitetura e Arquivos de Portugal

O derradeiro painel teve a moderação de António Sousa, do Arquivo Distrital de Braga.

Maria João Pires de Lima, do Arquivo Distrital do Porto, foi o primeiro conferencista, com uma apresentação intitulada O Arquivo SAAL Norte – Memória para o conhecimento do processo SAAL.

Como enfatizou, esta comunicação “revisita e reflete sobre o projeto “Uma Cidade em (Re) Evolução: Recuperação do Fundo Documental do SAAL Norte”, concebido e realizado pelo Arquivo Distrital do Porto, nos anos de 2000/2001.

Apresenta a metodologia e as diferentes atividades que o ADP então promoveu com o objetivo de salvaguardar, recuperar, tratar e divulgar o fundo documental do SAAL Norte, Serviço de Apoio Ambulatório Local, que existiu na dependência do Fundo de Fomento da Habitação entre 1974 e 1976. Um núcleo documental que se encontrava disperso e inacessível, memória fundamental para a compreensão da evolução do urbanismo da cidade do Porto e do processo social subsequente ao 25 de Abril.

Equaciona um projeto, à data, inovador na conceção e execução de políticas de preservação patrimonial ativas e exemplo de boas práticas, com o recurso a uma equipa de arquivistas e à participação ativa de intervenientes no projeto SAAL Norte (arquitetos e outros agentes).”

A última conferência deste Encontro pertenceu a Hélia Silva, do Departamento de Património Cultural / DMC / CML – Instituto de História da Arte – FCSH/UNL, e Tiago Borges Lourenço, do Instituto de História da Arte – FCSH/UNL.

Com o título Reconstruir o demolido. Os cadernos de encargos como fontes para o conhecimento do património arquitetónico lisbonense desaparecido (1900-1920), sublinha-se que “o estudo e a análise de um edifício contemporâneo tendem a não contemplar a leitura e interpretação do caderno de encargos, documento que corresponde a uma fase intermédia do projeto que muitas vezes se confunde com a construção. Habitualmente celebrado entre proprietário e empreiteiro, nele enumeram-se as obrigações de ambas as partes e as condições técnicas para a execução de uma obra. Ao acrescentar dados sobre materiais e opções técnicas que demonstram o modo como se consubstancia um projeto de arquitetura, constitui-se como um documento fundamental para o entendimento da forma como se desenvolve a passagem do papel para a matéria e da evolução de tipologias e de utilização de materiais.

Dando sequência aos estudos já realizados pelos autores neste campo de investigação e partindo dos contratos de empreitada e respetivos cadernos de encargos de diversas obras projetadas para a Lisboa do princípio do século XX por alguns dos seus principais arquitetos (nomeadamente Ventura Terra, Norte Júnior e Raul Lino), procura-se demonstrar a forma como estes documentos permitem compreender e reavivar o conhecimento da arquitetura desaparecida.”

Destaque, tal como na edição precedente, para a grande, e bastante rica, troca de ideias, no fim de cada painel, envolvendo arquitetos, investigadores de arquitetura, arquivistas e o público presente, evidenciando a importância da colaboração e partilha de informação entre as instituições que têm arquivos de arquitetura à sua responsabilidade, os arquivistas, os arquitetos e os investigadores de arquitetura, já que todos desenvolvem a sua atividade na mesma realidade, na qual os documentos de arquitetura são decisivos para o conhecimento e a construção da memória coletiva.

Esta iniciativa teve um segundo dia, a 29 de outubro, reservado à visita a obras de arquitetura chave, de Álvaro Siza Vieira, em Leça da Palmeira, no caso, à Casa de Chá da Boa Nova e às Piscinas das Marés e Casa de Chá da Boa Nova.

Em 2024, o 5.º Encontro Cidades, Arquitetura e Arquivos no Contexto Ibero-americano, coordenado cientificamente por Paulo Batista (CIDEHUS.UÉ) e Paula André (Iscte-IUL, Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território-DINÂMIA’CET-Iscte), vai realizar-se no Palácio Gama Lobo, em Loulé, em coorganização com o respetivo arquivo e câmara municipal, em 27 (evento científico) e 28 (visita à arquitetura desta cidade) de outubro.

Autoria da imagens e materiais de divulgação: Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura

Paulo Jorge dos Mártires Batista

Paulo Jorge dos Mártires Batista

Editor de conteúdo, Archivoz Magazine

Técnico Superior no Arquivo Municipal de Lisboa, de Professor Convidado no Curso de Especialização Arquitetura e Cultura Visual em Lisboa

Doutor em Documentación (Universidad de Alcalá de Henares – UAH), Mestre em Ciências da Informação e da Documentação (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa – FSCH-UNL), Máster em Documentación (UAH) e Diploma de Estudios Avanzados de Doctorado em Bibliografia y Documentación Retrospectiva en Humanidades (UAH), Pós-graduado em Direito da Sociedade da Informação (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) e em Ciências da Informação e da Documentação – Biblioteconomia e Arquivística (FCSH-UNL), Especialização em Boas Práticas em Gestão Patrimonial e em Ciências da Informação e da Documentação – Arquivística (FCSH-UNL), Licenciado em História (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

Atualmente desempenha funções de Técnico Superior no Arquivo Municipal de Lisboa, de Professor Convidado no Mestrado Arquitetura e Cultura Visual em Lisboa (Unidades Curriculares “Arquivos de Arquitetura: do documento à difusão” e “Fontes de arquitetura e produção de conhecimento”), do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, de Professor Convidado no Curso de Pós-Graduação de Museologia (Unidade Curricular “Arquivos e Museologia”), da Universidade Autónoma de Lisboa, onde também coordena a Pós-Graduação em Promoção e Inovação Cultural e Educativa de Arquivos e Bibliotecas, e de Investigador Integrado do CIDEHUS.UÉ – Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora, onde coordena a linha de investigação G2 – Patrimónios, Literacias e Diversidade Cultural, para além de formador na BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação, em Arquivos de Arquitetura, e da Câmara Municipal de Lisboa, em Introdução às Técnicas Documentais. É Secretário da Comissão Executiva da Secção de Arquivos de Arquitetura do Conselho Internacional de Arquivos.

Foi docente no Mestrado de Ciências da Informação e da Documentação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, técnico superior no Instituto Português do Património Cultural, no Instituto Português do Património Arquitetónico/Palácio Nacional de Queluz e no Instituto de Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, e investigador no Instituto de Investigação Científica tropical – Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga.

É autor de diversos livros e publicações em revistas da especialidade portuguesas e estrangeiras, em livros de coordenação diversa e artigos científicos apresentados em congressos nacionais e internacionais.

Share This