(Archivoz) Fale-nos do seu percurso formativo e profissional, até chegar a Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nomeadamente do Mestrado em Ciências da Documentação e Informação, dando-nos conta, também de como é que nasceu o interesse pelo mundo dos arquivos e das bibliotecas?
(Jorge Revez) Quando terminei a Licenciatura em História, tinha a certeza de querer trabalhar nas áreas da cultura, património e documentação. Durante a licenciatura, fui colaborador no complexo processo de transferência da antiga Biblioteca Central da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para o novo edifício. Tornei-me ainda utilizador assíduo da Biblioteca Nacional e de outras bibliotecas e arquivos. Estas experiências fizeram nascer o gosto pelas bibliotecas e pelos arquivos e levaram-me a concorrer ao Curso de Especialização em Ciências Documentais da FLUL. No final do curso, pensei em continuar os meus estudos no estrangeiro, mas foi prioritário começar a trabalhar. Ao mesmo tempo que iniciava funções como bibliotecário, mantive o interesse pela investigação histórica, no domínio da história religiosa contemporânea, tendo colaborado em alguns projetos e iniciativas do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e obtido o grau de Mestre em História Contemporânea, na FLUL, em 2009, com uma dissertação sobre os “Vencidos do Catolicismo”, na qual observei os casos do Padre Felicidade Alves e do poeta Ruy Belo. Desde 2004, colaborei na reestruturação da então Biblioteca da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UL, onde tive a oportunidade de trabalhar com o Dr. Armando Jorge Silva. Foi este colega, que já tinha sido meu professor no CECD, que me convidou para lecionar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2007. Desde então, mantive uma acumulação de funções que só terminou 13 anos depois. Em 2019, concluí o Doutoramento em Ciência da Informação e, em 2020, fui opositor a um concurso para Professor Auxiliar, o qual venci.
(Archivoz) Entre 2003 e 2017 trabalhou como bibliotecário em bibliotecas do ensino superior e em bibliotecas especializadas, e foi Analista de Informação Criminal de 2018 e 2020. O que nos pode dizer destas experiências e quais os projetos desenvolvidos que gostaria de destacar no exercício das mesmas?
(Jorge Revez) A experiência de reestruturação da então Biblioteca da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UL foi muito importante para o meu desenvolvimento profissional. Foi um laboratório de experiências e de aprendizagens em questões de organização da informação, gestão de equipas, marketing, formação em literacia da informação, etc. Os dez anos que passei na FPCE, hoje Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação, foram muito importantes para o meu crescimento enquanto profissional e despertaram a minha consciência para a necessidade de os profissionais de informação serem também investigadores, isto é, usarem a sua experiência profissional para produzir conhecimento e utilizarem o conhecimento já produzido para melhorar o seu desempenho enquanto profissionais. Acredito que só esta ligação entre a profissão e a investigação tornará possível o desenvolvimento da Ciência da Informação em Portugal. Em 2014, iniciei funções na Polícia Judiciária, primeiro na área da documentação e depois na área da informação criminal. Esta última experiência foi decisiva para compreender, de uma forma prática, que o problema da informação extravasa o domínio dos construtos sociais consubstanciados nas instituições de memória. Eu continuava a ser “bibliotecário”, mas já não trabalhava numa biblioteca ou num Centro de Documentação. Trabalhar na Brigada de Análise, com informação criminal, permitiu-me, além de conhecer e integrar uma equipa de excelência, refletir sobre o que é um profissional de informação, as competências adquiridas e por adquirir e o nosso lugar nos ecossistemas informacionais. Tive a oportunidade de participar em projetos nacionais e internacionais, no domínio da informação, que muito me enriqueceram, como é exemplo o Projeto ASGARD (https://www.asgard-project.eu/). O chamado “diálogo” entre os profissionais de informação, os informáticos, e outras especializações, está totalmente ultrapassado neste tipo de projetos, pois as equipas são por natureza multidisciplinares, não existindo trincheiras, mas sim um terreno comum e transdisciplinar de investigação e desenvolvimento na área da informação.
(Archivoz) Com base na sua experiência como docente do Curso de Mestrado (2.º Ciclo) em Ciências da Documentação e Informação, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, quais é que considera serem as tendências de investigação em Ciência da Informação em Portugal, e as que urge aprofundar, para além dos problemas que identifica nos mestrados desenvolvidos.
(Jorge Revez) Em Portugal, estamos ainda numa fase inicial da investigação em Ciência da Informação. O número de escolas e de pós-graduados é ainda muito reduzido, em comparação com outros países. É urgente aumentar o número de doutorados e, posteriormente, lutar para que as diferentes escolas apostem na qualificação do corpo docente e invistam na criação ou no reforço de ciclos de estudos em que esses docentes possam ensinar e investigar. A procura que o MCDI da FLUL tem tido mostra que existe um grande interesse pela Ciência da Informação. Procuram-nos muitos recém-licenciados que buscam uma via rumo à empregabilidade, outros fizeram diferentes percursos (alguns já mestres e até mesmo doutorados) e agora pretendem investir na formação em Ciência da Informação. Temos ainda uma forte ligação com estudantes do Brasil, Angola, Moçambique e outros países da lusofonia. Do lado dos empregadores, existe também uma grande procura de profissionais de informação, pelo que estamos praticamente sem Mestres da FLUL desempregados. Esta fase inicial é também uma grande oportunidade para abrir e consolidar linhas de investigação, mas para isso é essencial que a Ciência da Informação também tenha acesso a financiamento competitivo. Não tem facilitado, por exemplo, nos concursos da FCT, estarmos incluídos num painel de Media & Communication. Também não facilita a inexistência em Portugal de uma unidade de investigação especializada. Estamos todos dispersos, formando equipas dentro de unidades maiores, com áreas de interesse diversas. De qualquer forma, no caso da FLUL, estamos a procurar afirmar uma equipa de Ciência da Informação no seio do Centro de Estudos Clássicos, com alguns resultados já alcançados, mas seria fundamental termos acesso a financiamento competitivo. Isso permitir-nos-ia ganhar experiência, aumentar a produção científica e consolidar linhas de investigação.
(Archivoz) Em junho de 2019 defendeu a sua tese de doutoramento, com o título O papel das bibliotecas na investigação científica: perceções, comportamento informacional e impacto, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que foi publicada, no ano seguinte, na notável coleção Ciência da Informação, publicada pelas Edições Colibri, com a chancela científica do Centro de Estudos Clássicos da FLUL. Quais as principais conclusões a que chegou?
(Jorge Revez) Este trabalho abordou um tema que já me inquietava há muitos anos: de que forma as bibliotecas contribuem para o desenvolvimento científico. Realizei uma investigação na Área Metropolitana de Lisboa, que procurou espelhar os comportamentos e as perceções dos investigadores e dos profissionais de informação. A principal conclusão a que cheguei é que os investigadores reconhecem as bibliotecas como importantes, mas esse reconhecimento tem muitas limitações, em virtude de algum desconhecimento mútuo, desinvestimento ou incapacidade de mudança das bibliotecas especializadas. Por outro lado, os bibliotecários têm uma visão excessivamente otimista e autoconfiante face à realidade, o que os leva muitas vezes a ter um comportamento pouco reflexivo e pouco crítico sobre o trabalho que realizam junto dos investigadores. A principal recomendação que faço é a transformação do lugar dos profissionais, que passa sobretudo pela capacitação dos bibliotecários e pela sua inserção nas equipas de investigação. Sabemos que isso é muito difícil, com as equipas atualmente reduzidas ao mínimo. O essencial seria transformar os profissionais e integrá-los, para que as bibliotecas, com o pleno do seu potencial, pudessem desempenhar um papel decisivo em todas as etapas do ciclo de vida da investigação científica.
(Archivoz) Um tema incontornável, desde meados de março de 2019, e que, infelizmente, ainda continua na ordem do dia, é o novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19. Como é que pensa que as bibliotecas portuguesas enfrentaram esta realidade, tão singular, ao nível da organização do trabalho interno, do atendimento ao público e da difusão da informação?
(Jorge Revez) Enquanto observador e utilizador, considero que as bibliotecas souberam responder devidamente. O exemplo mais significativo desta adaptação foi a resposta que muitas bibliotecas deram com a criação de novos produtos e serviços, como a entrega de livros porta à porta, o que é impressionante quando ainda imaginamos as bibliotecas marcadas por alguma atitude passiva face aos utilizadores. Enquanto professor e investigador, já orientei alguns trabalhos que mostram a resposta enérgica das bibliotecas face à pandemia, bem como tenho escrito sobre o problema das notícias falsas e da desinformação, fenómenos que tiveram uma aceleração tremenda com a crise pandémica.
(Archivoz) Tendo em conta o seu percurso, quais é que considera que são os principais desafios e oportunidades dos profissionais da informação?
(Jorge Revez) O principal desafio é aumentar as competências científicas dos profissionais de informação. Os profissionais devem aprender a investigar e a produzir conhecimento. Essa atitude científica terá um efeito significativo no seu desempenho profissional e na vida das suas instituições. Por outro lado, a formação contínua, que é obrigatória em qualquer profissão, pode ser ampliada com um conhecimento mais profundo do nosso campo científico. A formação técnica é fundamental, mas acredito que hoje já não é suficiente para enfrentar os desafios que temos pela frente. A principal oportunidade, nesta linha de raciocínio, é aproveitar a oferta generalizada de informação científica. Não precisamos de ter uma biblioteca especializada em Ciência da Informação à nossa porta, porque ela está no nosso bolso, no smartphone, com acesso à vasta literatura científica em acesso aberto que a nossa área tem produzido. Eu sei que o acesso à informação não é tudo o que uma biblioteca especializada pode oferecer, mas para os colegas que estão longe de Lisboa, Porto ou Coimbra, a informação disponível pode ajudar a aumentar as suas competências profissionais e de investigação.
(Archivoz) Por último, caso seja possível, gostaria que nos desse conta dos seus projetos futuros, desde logo em termos de investigação, na área da Ciência da Informação, e do Centro de Estudos Clássicos e Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde é investigador.
(Jorge Revez) O principal projeto que temos em mãos é um estudo realizado em parceria com a BAD sobre os profissionais de informação em Portugal. Queremos conhecer quem são e quantos são todos os que trabalham nas bibliotecas e nos arquivos portugueses. Por outro lado, temos um projeto de investigação submetido ao concurso da FCT, sobre o qual aguardamos o resultado da avaliação. O projeto incidirá no estudo dos não-utilizadores das bibliotecas públicas. Temos ainda outros trabalhos em curso, para além das nossas responsabilidades como docentes, sobretudo a orientação de dissertações. Não somos uma equipa grande na FLUL, com dedicação exclusiva. Somos apenas dois (!), mas já somos uma equipa, e ainda contamos com os colegas que integram o CEC na equipa de Ciência da Informação, liderada pelo Prof. Carlos Guardado da Silva.
Imagem criada por Joe Crawford (Moorpark, California, EUA), disponível na Wikimedia Commons, the free media repository.

Jorge Revez
Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL).
É docente do Mestrado em Ciências da Documentação e Informação (FLUL) desde 2007. Doutorado em Ciência da Informação (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), Mestre em História Contemporânea (FLUL), Curso de Especialização em Ciências Documentais, Biblioteca e Documentação (FLUL) e Licenciado em História (FLUL). É investigador integrado do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa e colaborador no CEIS20 (Universidade de Coimbra) e no UCP-CEHR (Universidade Católica). Os seus interesses de investigação são a organização da informação, as bibliotecas especializadas e do ensino superior, a investigação científica e o comportamento informacional. É membro da International Society for Knowledge Organization (ISKO) e da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM). É membro da BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação e pertence aos seus Órgãos Sociais desde 2017. Trabalhou como bibliotecário em bibliotecas do ensino superior e em bibliotecas especializadas entre 2003 e 2017. Foi Analista de Informação Criminal entre 2018 e 2020.