Entrevistámos Maria de Lurdes Rosa, Professora Auxiliar com Agregação do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e Diretora do respetivo Instituto de Estudos Medievais (NOVA. FCSH; IEM-NOVA. FCSH; CEHR-UCP).
(ARCHIVOZ) Considerando o seu extraordinário percurso científico, como historiadora, tem estado, de há muitos anos para cá, bastante próxima do mundo dos arquivos. Pode dar-nos conta como é que foi o seu primeiro contacto com esta realidade, como se veio a refletir no percurso profissional que desenvolveu e a experiência que guarda como arquivista do Arquivo Português de Santo António, em Roma, entre 1990 e 1991?
(Maria de Lurdes Rosa) Precisarei de fazer um pouco de “ego-história”, mas que ganha interesse adicional por ser também a história de uma geração e de um movimento de renovação e arranque nos arquivos portugueses, penso eu. Procurarei que seja crítica!
A licenciatura em História, concluída em 1987, na Faculdade de Letras da U. de Lisboa, possibilitou-me, através de uma avaliação que valorizava muito o trabalho de investigação em “fontes históricas”, um contacto aprofundado com os arquivos, enquanto utilizadora. A autonomia em que os docentes deixavam os alunos e, sobretudo, a ausência de explicação sobre o que eram os arquivos- que só não chega a ser paradoxal, porque na altura os historiadores não achavam que fosse preciso explicar tal – , conduziu a que esse contacto fosse feito largamente “in situ”, com explicações dos funcionários da sala de referência e dos arquivistas da Sala de Leitura da Torre do Tombo, um universo de “profissionais” a que os académicos, de resto, quase não reconheciam existência (incentivando os alunos a procurarem as informações na bibliografia histórica) e, muito menos, autoridade. Também do lado dos arquivistas, verdade seja dita, nos anos ’80 estávamos a anos-luz de uma qualquer cultura institucional de relacionamento com os “leitores”, pelo que os jovens investigadores que, como eu, viam na ida ao arquivo o momento alto da sua visão romântica da História, acabavam por depender dos laços pessoais que iam criando. E quem vinha ser um frequentador assíduo, incluindo em férias, como eu também…, acabava por se tornar “da casa”, e alcançar informações que não podia de outro modo obter, tal era a ausência de instrumentos formais de acesso (pelo menos normalizados e atuais), e tão forte a cultura da relação pessoal com investigadores (com os professores universitários, tingida de reverência, mas raramente atribuindo a qualquer um grau satisfatório de conhecimento sobre os arquivos). No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, então nos seus últimos anos em S. Bento, esta experiência era ambientada numa sala de referência de pequenas dimensões, totalmente recheada de índices até ao teto, todos consultáveis num “acesso direto” avant la lettre, mas todos diferentes entre si, e sem qualquer explicação das lógicas internas – vasta parte, aliás, simples guias de remessa das incorporações oitocentistas; e numa sala de leitura onde o responsável pontificava num estrado bem mais alto do que as mesas dos “leitores”, que eram aconselhados a dirigir-se a ele de forma respeitosa e apenas se indispensável. A incomodidade que tudo isto despertava em jovens que eram formados, na Universidade, nos ideais de revolta contra o positivismo e a erudição, através da saga da “Nouvelle Histoire, era compensada por uma sensação de realismo histórico, de contacto direto com os tempos passados. No meu caso, ainda por cima, de medievalista, acumulava com toda a carga de relação legitimadora com o arquivo de que esta área historiográfica sempre se orgulhou. Depois da transferência das instalações de S. Bento para as da Cidade Universitária, em que participei como estagiária, muitas vezes ouvi, que “no novo edifício da Torre do Tombo, é tudo muito moderno, mas não é a mesma coisa”. Mesmo sabendo que esta mudança se fazia após uma espera secular (!), e tendo considerado um privilégio poder participar num momento histórico de modernização, uma parte de mim concordava, permanecendo a nostalgia do que era afinal, em fins do século XX, quase um arquivo de “Ancien Régime”… mesmo se, paradoxalmente, tivesse estado instalado no edifício que mais simbolizava a abolição daquela arcaica época.
Pouco tempo depois, alguns recém-licenciados em História, que naquele pitoresco modo tinham sido instruídos na sua relação com o arquivo, foram de repente “apanhados” no turbilhão do que nos era dito ser a “modernização radical dos arquivos em Portugal” – a ação do Instituto Português de Arquivos (IPA). Entre outras coisas que então não poderíamos conhecer, o IPA decidira começar a formar a “nova geração” de arquivistas em Portugal, recorrendo, como no final dos anos ’80 toda a sociedade portuguesa fazia, aos “cursos de formação do Fundo Social Europeu”. No caso, o curso foi organizado pela então poderosa Associação de Professores de História (APH), pujante graças aos milhares de membros que tinha, oriundos da abertura das universidades após a Revolução de Abril, e que além disso incluía professores universitários muito ativos e ligados ao Diretor do IPA, prof. José Mattoso. Colaborava no curso uma associação de que nunca tínhamos ouvido falar, nem a nossa relação com os arquivos nos tinha dado grande ideia que pudesse existir – a BAD, Associação Portuguesa de Arquivistas, Biblioteconomistas e Documentalistas. A APH entrara no processo por louváveis motivos programáticos, como a renovação dos arquivos em Portugal, mas também porque sabia que o mesmo fator do seu poder ameaçava a profissão – o esgotamento do emprego no ensino público –, e que era preciso “diversificar as saídas profissionais dos licenciados em História”. Os cursos de especialização em Ciências Documentais, que existiam apenas em algumas universidades públicas (na altura não na Faculdade de Ciências Sociais de Humanas da U. Nova de Lisboa) (FCSH), onde se ancorava a “revolução nos arquivos”, o que talvez diga alguma coisa sobre esta), eram pouco conhecidos, e quando o eram, vistos alternada, ou cumulativamente, como relíquias da bafienta universidade pré-revolução, ocupação de gente que tinha problemas de sociabilização, ou – na maior parte das vezes – total enigma, sem interesse de maior. E, para quem tinha seguido a “via de investigação”, como eu, a frequentar mestrado – na altura com quatro anos! – eram uma formação “de segunda”, nem sequer conferente de grau.
Na verdade, esse curso, que se desenrolou em duas fases, veio dar jovens formandos o acesso a um mundo diferente do que esperávamos. Não tanto a primeira fase, destinada a um grande número de alunos, e apenas com três meses – apesar de muito interessante, foi generalista e lecionada sobretudo por professores universitários de História. A diferença foi feita pela segunda fase, que admitiu por seleção uma pequeníssima parte dos anteriores alunos e teve a duração de nove meses, conferindo aos formandos a habilitação de “técnico médio de arquivo”. Foi lecionada por uma maioria de jovens arquivistas, e incluiu um longo estágio em arquivos. Aí ouvi pela primeira vez falar da arquivística como um “campo de estudos” em si, com métodos e problemáticas próprias; de arquivos “não históricos”; do problema do aumento exponencial da produção de documentos; de “arquivos digitais”; e dessa suprema heresia (para os professores de História) que era a avaliação e a eliminação documental. Se não foi apresentada uma formulação clara de “ciência”, em pelo menos uma parte dos arquivistas existia a clara consciência da importância do pensamento teórico sobre o seu saber e prática. Acredito, agora, que a reverência aos Historiadores – professores universitários, aliada à estreiteza teórica dos cursos de especialização de onde vinham, podem ter impedido formulações (ou mesmo tomadas de consciência…) mais assertivas. Seja como for, e apesar da forma limitada com que o fizeram, os cursos abriram para mim a porta a um olhar diferente sobre os arquivos, e incentivaram-me a procurar bibliografia sobre novos modos de os conceptualizar – algo muito difícil em Portugal, em inícios da década de ’90, mesmo se essa foi a altura em que “tudo estava a mudar” no seio das “profissões” de arquivista, bibliotecário e documentalista, ainda que a diferentes velocidades pelos vários países e tradições académicas.
As circunstâncias da minha formação académica e vida profissional levaram-me, nos dez anos que mediaram entre esta experiência e a minha estabilização profissional como docente do ensino superior público, a passar largos períodos no estrangeiro, por vezes em locais onde pude beneficiar de excelentes bibliotecas, onde aprofundei, sempre que pude – dado que estava formalmente a prosseguir o mestrado e depois o doutoramento em História medieval – o conhecimento na área. Continuei a trabalhar no campo dos arquivos, em regime de free lancer (condição que principiava então a ser “cada vez menos provisória”..) como investigadora / coordenadora de projetos de intervenção em arquivos históricos do património português no estrangeiro (Roma e Cochim, Índia) e, em Portugal, em trabalhos na área dos arquivos eclesiásticos, por ligação ao Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da U. Católica Portuguesa (que por essa altura começou o notável esforçado trabalho em arquivos de instituições religiosas que ainda hoje leva a cabo). Em todos estes contextos fui confrontada diretamente com cenários de organização de acervos, elaboração de IDD’s, comunicação, – nos quais, posso dizê-lo sem presunção – sempre alinhei muito mais do lado da “arquivística” do que da História, a que fui progressivamente reconhecendo a prejudicial postura de «usufrutuária colonialista» de arquivos. O pensamento arquivístico parecia-me correto e inteligente, propondo trabalhar a partir de conceitos universais e não para “usos” situados.
O Arquivo do Instituto Português de Santo António em Roma (AIPSAR) foi de facto o meu primeiro contacto a solo, e com responsabilidade própria, com um arquivo por tratar integralmente. Fui convidada para o posto pelo então diretor do IPA, prof. Aires do Nascimento, e não hesitei um minuto em aceitar! Estava no mestrado em História medieval, mas já na fase de preparação da tese. Meti toda a “papelada” desta em caixotes e parti para Roma. Em termos pessoais, foi uma extraordinária experiência – ir com vinte e cinco anos para uma cidade como Roma, com um trabalho desafiante à minha espera… Quando lá cheguei, foi o banho de realidade – o “arquivo” era um conjunto de livros e pacotes amontoados em velhas prateleiras, cheios de pó, sem quaisquer instrumentos de descrição. As primeiras duas semanas foram dedicadas a limpar e a reconhecer minimamente os materiais, tentando reconduzi-los a roteiros provisórios que tinha feito a partir de obras de eclesiásticos sobre a instituição, que tinham utilizado diretamente os documentos. Essa tarefa deixou o Reitor do Instituto feliz; mas ficou muito menos satisfeito quando me viu sentar-me à secretária, estudando longamente os livros de atas e os múltiplos estatutos que tinham sido aprovados ao longo dos séculos, ou ir para arquivos e bibliotecas, para completar a informação. Também aqui foi uma primeira lição do trabalho em arquivos: as organizações encaram-no sobretudo como uma arrumação e limpeza dos papéis velhos, e o resto é dificilmente compreendido. Bom, atalhando, estive alguns meses a aprofundar conhecimentos sobre o tipo de arquivo e a arquivística coeva, nas riquíssimas bibliotecas de Roma, passei por todos os arquivos onde poderia haver mais informação, e fiz organigramas da instituição desde a fundação (séc. XV) ao século XX; pelo meio estabeleci alguns contactos com o “Minsterio dei Beni culturali” italianos, quanto à hipótese de recuperar (gratuitamente!) documentos em muito mau estado – objetivo nunca concretizado pela falta de resposta dos parceiros portugueses-, e escrevi um longo texto preparatório da classificação dos materiais, que entretanto tinha descrito sumariamente. Esse texto constituiu a base do trabalho que depois publiquei, sobre a história institucional e do arquivo do AIPSAR . Nunca mais consegui trabalhar na tese de mestrado… Passados seis meses, decidi voltar, por um conjunto de motivos em que avultaram as difíceis relações com o Reitor, que interferia constantemente no trabalho, e a ausência quase total de resposta às minhas perguntas e sugestões, por parte da tutela portuguesa, o efémero Ministério da Cultura. O trabalho foi depois prosseguido por outras pessoas, anos mais tarde.
(ARCHIVOZ) Entre 1993 e 1995 foi a coordenadora científica do projeto de organização do Arquivo da Diocese de Cochim, na Índia, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Universidade Católica Portuguesa. O que gostaria de destacar no que respeita aos resultados alcançados com este projeto?
(MLR) Mais uma vez, foi uma extraordinária experiência em termos pessoais e profissionais. Já tinha, entretanto, defendido a tese de mestrado, e estava num certo impasse quanto ao melhor modo de prosseguir a carreira de investigação. O convite que me foi dirigido pela U. Católica honrou-me muito, e mais uma vez nem hesitei. Mas o choque cultural foi imenso – na primeira viagem à Índia, acho que só cheguei a Cochim por sorte, porque aconteceu de tudo durante a viagem, incluindo uma antecipação de voo! Por sorte estava a dormitar no aeroporto doméstico que me levaria à cidade, e consegui perceber a chamada… e mais uma parte gaga totalmente surreal – em Cochim havia dois bispados, um dos Cristãos de S. Tomé e outro dos Católicos romanos, e como devido à antecipação de voo, não estava ninguém à minha espera no aeroporto, apanhei um táxi e pedi para me levarem ao palácio episcopal. Levaram-me ao errado, onde ninguém sabia quem eu era! Por sorte tudo se resolveu, e tive direito, em diferido, à primeira das muitas cerimónias de boas-vindas, com flores, música e imprensa… Tudo isto depois de mais de 24h de voo… Na primeira ida estive um mês a reconhecer os materiais, guardados no sótão do palácio episcopal, sob um calor tórrido, que me fazia ter que parar de hora a hora e beber litros de água e de café (fraquíssimo, na Índia é uma bebida pouco comum)… e quase todos os fins de tarde e todos os fins de semana, era literalmente arrastada pelo Bispo para as suas obras de promoção social, nas quais participava, fazendo discursos ou mesmo distribuindo comida! No meio de calor, barulho sem fim no trânsito, elefantes e vacas nas estradas, mares de gente. A princípio pensei que nunca mais voltaria, que chegada a Lisboa me demitia e voltava à calma vida dos investigadores.
Mas fiquei, e foi a mais incrível experiência humana e profissional que tive. O Bispo, D. Joseph Kuereethara (1929- 1999) era uma figura extraordinária, um sobredotado – músico, grande desenhador, poliglota, organizador de tudo e mais alguma coisa -, gentil, engraçado… Foi um segundo pai para mim, um amigo que nunca esquecerei. E estava rodeado de uma equipa de jovens padres, com os quais a equipa portuguesa que foi comigo algum tempo depois, teceu laços fortes de amizade. Em termos de trabalho arquivístico, foi construir do zero um depósito, uma sala de leitura, ao expurgo in loco dos materiais, a limpeza dos mesmos, a arrumação, a descrição em ARQBASE (depois de um curso intensivo com o Miguel Infante, na Fundação Calouste Gulbenkian) (FCG). Foi também, graças à generosidade da Fundação, um trabalho prévio de recolha de materiais nos arquivos portugueses e romanos, que nos permitiu colmatar lacunas do arquivo episcopal, que tinha sobretudo documentos dos séculos XVIII e XIX. Todos estes materiais, cuja reprodução foi custeada pela FCG, ficaram no arquivo, organizados em pastas por episcopado, com cópias no CEHR.
Enfim, ao longo de dois anos, desloquei-me por cinco vezes a Cochim, e o trabalho ficou integralmente feito. Na mais longa estadia, de 3 meses, esteve a restante equipa de “arquivistas” (Adelaide Machado, João Luís Fontes, Sandra Lobo) e fizemos o grosso do trabalho. Voltei lá sozinha um ano depois, para preparar a inauguração, e estive c. um, mês a terminar tudo, sendo que dia sim, dia não (e mesmo na véspera da inauguração), o Bispo aparecia com documentos que “ia encontrando”, alguns deles – disse, creio que a gozar comigo, mas sem nunca desmentir – tinha localizado debaixo da sua cama! Mais uma vez aprendi que o contexto organizacional é algo a ter em conta quase de forma antropológica! A inauguração foi uma enorme festa, o inventário foi publicado, e as descrições detalhadas ficaram no Arquivo. A morte súbita de D. Joseph Kureethara, em 1999, foi uma machadada no progresso deste trabalho, que ele idealizava como um ponto de partida para uma instituição que teria a valência de centro de investigação internacional, e de Arquivo Histórico, dando continuidade a incorporações de acervos das estruturas diocesanas. O novo bispo tinha pouquíssima sensibilidade para questões arquivísticas, e aliás acabou por ser destituído, anos depois, por problemas internos. A equipa de jovens padres do Bispo Kureethara tinha-se, entretanto, dispersado. Um deles ainda veio para Roma e Portugal, realizando uma bela tese de doutoramento sobre historia institucional da diocese no séc. XIX, mas não houve continuidade possível. A última vez que estive em Cochim, em Dezembro de 2019, nem consegui visitar o arquivo. Dez anos antes, na visita antes dessa, conseguira tal, constatando, porém, que estava quase sempre fechado e que a sala de depósito funcionava como armazém de muitas coisas…
Tal como este – ou em muito pior estado, de forma geral – há muitos outros acervos e arquivos da presença portuguesa imperial e colonial, que seria fundamental recuperar, em conjunto com as autoridades arquivísticas e académicas dos atuais países.
(ARCHIVOZ) Entre 2009 e 2015 coordenou o curso de Mestrado em Ciência da Informação e da Documentação, e desde 2009 que é Coordenadora Especial de Arquivística Histórica no curso de Doutoramento em História, ministrados ela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Que balanço faz destes dois importantes cursos?
(MLR) Após o doutoramento, a minha ligação e o meu trabalho em arquivos levaram ao convite para a primeira inserção no mundo da formação universitária no que então já se chamava “Ciências Documentais”, na FCSH, no âmbito da Pós-Graduação / Curso de especialização mestrado (2005 em diante). A cocoordenação da área, depois coordenação, e a lecionação na mesma, durante vários anos, permitiram-me contactar com um panorama bem diferente do que tinha deixado, quando entrei como docente de história a tempo inteiro (1998, ano que noutro local era palco de dois marcos da implantação da Ciência da Informação (CI) em Portugal, que haviam sido quase totalmente ignorados nos meios historiográficos – a defesa da tese de Fernanda Ribeiro e a publicação de Arquivística. Teoria e prática de uma ciência da informação, por A. Malheiro da Silva, Fernanda Ribeiro, Manuel Real e Júlio Ramos).
O enriquecimento foi enorme, e foi ele que em boa parte me permitiu, anos mais tarde, propor um campo de trabalho que une as duas áreas, a Arquivística Histórica. Digo sem hesitação que aprendi muito mais com os colegas de CI do que em outros contextos. A estruturação do mestrado permitia a existência de dois estágios, e também com as instituições que aceitavam receber alunos, a relação de aprendizagem foi intensa. Por fim, relembro os alunos, tanto os que vinham já em desempenho de funções na área, como os recém-chegados, oriundos de vários campos disciplinares – foi um gosto conhecê-los, ensiná-los, coorientar os seus trabalhos finais de mestrado. Eram bastante diferentes dos alunos do mestrado em História, em geral jovens licenciados na área; retenho clara memória de muita gente que voltava a estudar, com sacrifício de tempo e de dinheiro, mas com o intuito de adquirir novas competência e qualificações. Em todos os seus relatórios, teses e projetos, aprendi sempre alguma coisa nova!
A relação direta com o ensino na área da CI terminou quando os critérios da A3E’s levaram a uma reconfiguração da formação de mestrado, entregando a direção deste a académicos da área da CI e impondo, além disso, regras para novas contratações de doutorados naquela. Concordei desde o início com o princípio, mesmo lamentando que a definição de área científica não possibilitasse um maior diálogo com as Ciências Sociais e Humanas que já há muito se encontram nas universidades portuguesas, em geral com tradição muito rica de formação e investigação; e que pense que o panorama internacional alargado, em que se jogam prestígio, sinergias e financiamentos, se orienta em direções alternativas e, sobretudo, plurais, quanto a modelos científicos, de investigação e de ensino.
A área de Arquivística Histórica do doutoramento em História inscreve-se nestas últimas linhas. A integração no doutoramento em História não teve qualquer objetivo de subalternizar a CI em relação à História – foi uma opção administrativa, em função das exigências académicas. A área funcionou sempre, e continua a funcionar, em cruzamento disciplinar, incluindo ainda a Antropologias Histórica, particularmente importante para o estudo dos arquivos e das práticas arquivísticas das sociedades pré-Revolução Francesa (e, em diferentes casos, mesmo posteriores à rutura liberal). Funciona há doze anos, e conta neste momento com seis doutoramentos defendidos (dois deles em cotutela internacional e três com bolsa da Fundação para a Ciência e Tencologia) (FCT) e com oito em andamento (dois deles em cotutela internacional – com a École Nationale des Chartes – e quatro com bolsa FCT). Destes catorze alunos, seis eram/ são arquivistas e/ou tinham formação em CI, sendo os restantes mestres em História.
A par da realização das teses, tenho incentivado que os alunos investiguem e publiquem, bem como participem em eventos científicos internacionais, e já contamos com dezenas de realizações neste enquadramento. A inserção internacional tem sido uma pedra de toque em todos os aspetos, e podemos orgulhar-nos, por exemplo, de ter participado no “Programme de recherche” ARCHIFAM – Les archives de famille en péninsule ibérique (fin XIIIe – début XVIIe siècle), sedeado na Casa de Velazquez, em Madrid, entre 2012 e 2015, com presença de todas as doutorandas em eventos, nomeadamente uma escola doutoral; na frequência, por duas alunas da Summer School “The new history of Archives. Early modern Europe and beyond”, organizada pela Herzog August Bibliotek (Wolfenbuttel, Alemanha, em Julho 2017); e na presença de outras duas no Seminário Noble houses and their archives in a comparative perspective (Portugal, Spain, France), 14th-19th centurie, organizado na School of Historical Studies – Institute for Advanced Study (Princeton, 13 Novembro 2015). O financiamento para estas participações das doutorandas veio das unidades de investigação da FCSH ou, em todos os casos citados, das próprias instituições estrangeiras.
A produção científica pode ser consultada nas nossas duas “montras digitais” – a instância AtoM «Arquivística Histórica», dedicado às teses e contendo materiais delas resultantes (http://www.arquivisticahistorica.fcsh.unl.pt/ ) e o site «ARQFAM. Arquivos de família – Arquivos de comunidade(s). Arquivística, História, Herança cultural», mais específico das investigações sobre arquivos de família, e contendo todos os materiais delas resultantes (https://arqfam.fcsh.unl.pt/ ).
Em termos de formação discente, gostaria ainda de destacar o que chamo de “Ações em Arquivística histórica”, que envolvem, com a colaboração ou orientação das doutorandas/ doutoradas em Arquivística Histórica, estudantes de licenciatura e mestrado desde 2016 – projetos sobre arquivos de família em que eles participam e depois resultam em artigos ou idas a congressos (já conseguimos duas participações em eventos internacionais, em Espanha e Reino Unido), estágios curriculares e académicos (os primeiros para licenciaturas, alcançando já duas dezenas de alunos; os segundos para mestrado, com nove alunos), opções livres de iniciação ao trabalho de investigação histórica e tratamento/ descrição arquivística. Este trabalho é muito importante, porque motiva os alunos desde o primeiro ano da Universidade, e mostra-lhes um mundo que em geral desconhecem; os estágios têm-se revelado especialmente importantes porque é uma forma direta de conhecerem os serviços de arquivo e de biblioteca como possível local de ocupação futura. Por outro lado, os que enveredam pela via da investigação histórica ficam mais despertos para a importância de incluir a parte arquivística; neste momento temos quatro teses de mestrado que nasceram neste contexto, duas discutidas e duas em finalização, que nasceram neste contexto, tendo os dois alunos mais novos participado desde o 1º ano da licenciatura nas tais “ações de arquivística histórica”.
Por fim, no próximo ano letivo teremos uma pós-graduação em Arquivística Histórica na FCSH, que bateu records de inscrição, em especial quando conseguimos autorização para a transmitir em streaming, a par do ensino presencial, pós-laboral. Estão inscritos estudantes de todo o País.
(ARCHIVOZ) Em 2016 foi distinguida pelo Conselho Europeu de Inverstigação (European Research Council, ERC) com a primeira bolsa Consolidator Grant na área da História atribuída pelo ERC a um investigador português. Pode falar-nos da investigação desenvolvida e das evidências deste notável projeto?
(MLR) O projeto surgiu na confluência de diferentes investigações que realizei desde a licenciatura, momento em comecei a estudar os vínculos, tema central do projeto financiado pelo Consolidator Grant – VINCULUM. Entailing Perpetuity: Family, Power, Identity. The Social Agency of a Corporate Body (Southern Europe, 14th-17th Centuries) (ERC 819734). Na tese de mestrado foquei-me nos morgadios, na tese de doutoramento, nas capelas – estes são os dois tipos mais relevantes de vínculos existentes em Portugal, na P. Ibérica e em alguns outros locais do Ocidente europeu, entre os séculos XIV e XIX. Pelo meio, o estudo dos arquivos de família foi tanto propiciado pelo estudo do tema histórico, como o propiciou… este é um projeto onde a interdisciplinaridade entre História e Arquivística / Ciência da Informação é fortíssima. Na candidatura fiz dois estados-da-arte diferentes, cada uma para uma destas áreas disciplinares, e os projetos internos cruzam sempre as duas. Mais, as bases teóricas do levantamento documental devem muito à noção de “Informação”, que substituo a “fontes”, conceito hoje em dia muito questionado pelos próprios historiadores (mesmo se pouco recorrem ao pensamento da CI e da arquivística para o refazer). Esta permanente interdisciplinaridade foi muito apreciada pelos avaliadores, em especial no que dela resulta em termos de uma perspetiva de Histórica Antropológica dos Arquivos.
Para além destes aspetos científicos, é muito gratificante poder financiar, por períodos longos de tempo, durante cinco anos, um total de nove investigadores, com mais alguns pontuais; trabalhar na vertente de comunicação de ciência, algo cada vez mais valorizado pelas agências financiadoras europeias; e ter alcançando uma bolsa para um projeto de tema histórico “antigo”, que tenho vindo a constatar estar a cair num quase total esquecimento, apesar de ter sido estruturante da sociedade portuguesa e ter deixado profundas marcas – algumas das quais demasiado fortes e constrangedoras (para o bem e para o mal), para deverem ser esquecidas. Neste sentido, quero deixar escrito que nunca é demais louvar o espírito que preside as estas bolsas do European Research Council (ERC): investigação aprofundada e condignamente financiada, do chamado «conhecimento (in)útil”, com quase total liberdade ao investigador (sem deixar de existir um conjunto vasto de regras de funcionamento e de auditorias, com as quais concordo a 100%, visto que o dinheiro é público). Acrescem as obrigações de usar software de open-source, e de disponibilizar todos os resultados da investigação em acesso aberto! Já quando recebi a bolsa do «Institute for Advanced Study», em 2015, beneficiara deste espirito, tendo podido ver in loco extraordinária fertilidade intelectual que possibilita – num local onde, humildemente, contactei com a memória de gigantes da Ciência, foram-me dadas as melhores condições de vida, investigação, financiamento e liberdade, para um tema que nada tinha a ver com a história dos Estados Unidos da América, e cujos “resultados práticos” eram, no mínimo, indiretos (“Reconstructing noble family archives, remaking family histories (Medieval and Early modern Portugal”). Deve ficar claro, para a nossa geração e as futuras, o extraordinário privilégio que é poder usufruir, na União Europeia, de um ambiente assim, e como é importante reagirmos a ele de forma ativa, apresentando candidaturas e alcançando bolsas, colmatando o atraso em que nisto nos encontramos em relação ao Norte da Europa (mas não só), em especial no campo das Ciências Sociais e Humanas. Apelo a todos os investigadores em CI, Arquivística, História, que se informem e apresentem candidaturas.
(ARCHIVOZ) Um dos livros que recentemente coordenou, neste caso com Rita Sampaio da Nóvoa, Alice Borges Gago e Maria João da Câmara, intitula-se Vozes recuperadas, perguntas recém-descobertas: arquivos familiares e pesquisas históricas, publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra. O que nos pode dizer sobre este trabalho?
(MLR) O trabalho com os arquivos de família nasceu aquando da minha investigação de mestrado, no final dos anos 80. Dada o pequeno número deste tipo de arquivos que existia, ou estava descrito, nos arquivos públicos, praticamente toda a minha investigação se apoiava na documentação das duas grandes instituições que se tinham relacionado, a partir de fora, com essa entidade corporativa que eram os vínculos – a Coroa e a Igreja. Mas era como trabalhar com “a ponta do icebergue”… percebia-se claramente que tinham sido produzidos e conservados, pelas famílias, muito outros documentos, em quantidade e quantidade relevantes; e que, alem disso, eles transmitiam a “voz própria” dos produtores, neste caso as famílias e os seus indivíduos, ao passo que os arquivos eclesiásticos e régios transmitiam maioritariamente o “lado” destas instituições, no mínimo dando uma imagem parcial do fenómeno (sendo que muitos historiadores nem tal acusavam, de tal modo é ensinado um foco quase total nas “fontes que estão nos arquivos”). Pensar para alem do que está no arquivo público, fazer um caminho de história institucional, transmissão documental, produção informacional, é algo muito mais exigente, mas fundamental. E enriquece imenso a História!
As “vozes recuperadas” do título do livro reportam-se a esses documentos que fomos redescobrindo. Trabalhar com inventários de arquivos de família, nomeadamente, no projeto INVENT.ARQ, tornou claro como estes eram ricos, e como era errado ignorá-los, causando tanto por uma certa “preguiça heurística”, como pela “invisibilidade arquivística” a que a falta de tratamento os vota. Por fim, este trabalho veio encorajar os proprietários de arquivos privados a virem apresentá-los, dando a conhecer as riquezas que contém, mas também todos os problemas que enfrentam quando querem conservá-los e, até, quando querem que sejam alvo de investigação histórica. Através de diferentes teses, de doutoramento e de mestrado, já conseguimos dar a conhecer, e estudar, cinco arquivos de família, quatro dos quais em posse privada, e dois documentos muito ricos, um deles na casa da mesma família desde o início do século XVI (a Quinta da Foz, na Foz do Arelho), outro hoje em dia no Arquivo do Museu de Portimão. Da parte de uma e outra instituição recebemos o melhor acolhimento e as teses irão editar e estudar estes importantes documentos.
(ARCHIVOZ) Na sequência das primeiras questões, e considerando a muito relevante experiência que tem como investigadora responsável e coordenadora científica de projetos nacionais e internacionais, como é que vê o futuro dos arquivos em Portugal e quais é que pensa que são os grandes desafios que se deparam aos profissionais da informação?
(MLR) A minha posição, neste momento pelo menos é, por um lado, de utente dos arquivos enquanto investigadora e orientadora de investigações e, por outro, de académica que pensa aspetos teóricos ligados à Arquivística e à Ciência da Informação. No primeiro papel, bem como através do contacto que ele traz com os arquivistas trabalhando em arquivos públicos, sinto bastante apreensão, sobretudo pelo que vejo em termos de investimento nas novas gerações/ renovação dos quadros. Sei que os responsáveis pelos arquivos se contam entre os que mais lamentam o facto de não poder abrir concursos externos, mas do ponto de vista global e tendo em conta o futuro, é mais do que um problema de gestão interna, é uma limitação desastrosa. Para os arquivos, mas muito em especial, para os muitos jovens altamente qualificados e cheios de ideias novas que ficam de fora, vivendo de empregos precários.
Preocupa-me também em extremo o estado dos fundos arquivísticos antigos, em especial da Época Moderna, dado que anteriormente o uso mais generalizado do pergaminho permite uma sobrevivência mais longa dos documentos. Tenho constatado no projeto Vinculum que fundos inteiros de grandes instituições da administração, como as provedorias das comarcas, os tribunais, os hospitais, estão em mau estado de conservação e deviam ser alvo de trabalhos de recuperação. A miragem da digitalização como forma de resolver a disponibilização dos fundos fez esquecer que não se podem digitalizar documentos em mau estado.
Enfim, como professora de História, preocupo-me com o desaparecimento de áreas de saber essenciais para a compreensão dos arquivos antigos, a Paleografia e a História das instituições. Nunca foram verdadeiramente fortes em Portugal, em função da ausência de estudos superiores em Arquivística, durante décadas, mas hoje em dias estão de facto em perigo de extinção, sem que veja as universidades portuguesas tomarem medidas claras quanto a isto.
Como académica pensando a Arquivística e a CI, devo dizer que me preocupa a falta do diálogo entre o modelo de formação da denominada Escola do Porto, e os restantes locais de produção de saber universitário na área disciplinar. Em caso nenhum são bons os modelos homogéneos, e quando acumulam com poder normativo e avaliativo, podem tornar-se obstáculos, e não motores, de desenvolvimento e pensamento novo. Conheço e contacto com um mundo muito diferente, mais aberto, e plural, e com maior discussão teórica, no pensamento arquivístico internacional, seja na Archival Science, seja na Information Science, seja mesmo em locais tão consagrados e clássicos como a École Nationale des Chartes. Gostaria que iniciássemos um debate sério sobre isto, de igual para igual, e sem posições de poder.
Um último desejo diz respeito aos meus colegas de formação. Seria fundamental que os historiadores fizessem a sua «revolução coperniciana» quanto à heurística, isto é, encarassem os seus materiais de trabalho de forma teoricamente complexa, abandonando práticas oitocentistas de pesquisa, localização e interpretação dos mesmos. Se a História fez um extraordinário caminho de libertação dessas práticas ao longo do século XX, quanto a temas e problemas, não o fez ainda em relação às “fontes”, por razões que os estudiosos de epistemologia da História têm vindo a estudar, na última década. Os contributos da teorização da Informação, vindos de diferentes quadrantes da CI, bem como da «Archival Science» e outras configurações de pensamento teórico arquivístico, são também aqui fundamentais. Gostaria que pudéssemos trabalhar em conjunto num progresso da Ciência que seja plural e não prescritivo, baseado na paixão pela investigação e acreditando que esta, feita de forma ética, tem como fim último o bem coletivo e não a promoção na carreira académica ou o alcance de posições de poder.
(ARCHIVOZ) O novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19 colocaram novos desafios aos arquivos, obrigando os seus responsáveis e colaboradores a adaptar-se a novas metodologias e formas de trabalhar. Fazendo uma retrospetiva desta nova realidade, que se faz sentir desde meados de março de 2020, entende que, em linhas genéricas, os arquivos portugueses foram capazes de se reinventar e dar uma resposta eficaz aos problemas e oportunidades surgidas?
(MLR) Compreendendo os enormes constrangimentos a que as instituições de cultura foram sujeitas, como Investigadora Principal de um projeto europeu que tinha entre os principais objetivos um extenso levantamento arquivístico, posso dizer que situação foi no mínimo difícil. Passámos a viver das digitalizações, que são relativamente poucas, para os documentos mais antigos, em boa parte por causa do mau estado em que se encontram, da subalternização a que são votados, em função do maior interesse por História contemporânea, ou da dificuldade em organizá-los e descrevê-los (ou mesmo em lê-los, dado que cada vez mais escasseiam os conhecimentos paleográficos). Pagámos várias digitalizações e alguns restauros para posterior digitalização, mas estes também ficaram impossíveis de levar a cabo, quando os arquivos fecharam. Enfim, temos um atraso de c. seis meses devido a isto. E passámos o último mês de maior confinamento a ver os documentos digitalizados a escassearem dia a dia!
Não estou à frente de um serviço de arquivo, portanto não me fica bem dar lições a quem está, e aliás respeito muito todos os que estão; o que posso fazer é transmitir este testemunho e preocupações… Da nossa parte, nas universidades, ficou bem clara a importância da disponibilidade digital dos materiais. Nunca achei que a digitalização em massa fosse um caminho a seguir, e continuo a constatar que infelizmente, muitos dos meus colegas nem se apercebem dos problemas que ela levanta. Esperemos que uma situação como a pandemia que atravessámos não se volte a repetir! Tomámos, porém, a decisão de, sempre que possível, investir mais em disponibilizar fundos para digitalizar documentos e livros que sejam fundamentais para as nossas investigações e para os alunos.
(ARCHIVOZ) Muito recentemente foi distinguida com três importantes distinções: o Prémio Santander de Internacionalização da Produção Científica da NOVA FCSH, Mulheres na Ciência e “Nova Science Day 2019 – certificado em reconhecimento ao Bolsa Consolidadora – ERC”, que evidenciam um significativo contributo para a ciência em Portugal. Caso seja possível, gostaria que nos desse conta dos seus projetos futuros, naturalmente indesligáveis dos arquivos, em termos de investigação.
(MLR) Os prémios são sempre gratificantes porque significam um reconhecimento do nosso trabalho, mas penso que o mais importante é darem visibilidade e potenciarem novas candidaturas… Os meus planos são, para já, levar a bom porto o projeto Vinculum, q tem mais 3,5 anos pela frente, e um ambicioso conjunto de metas e produtos para cumprir; conseguir, a partir dele e se possível ainda durante esses anos, alcançar um financiamento associado a estas bolsas, para potenciar a comunicação de ciência; eventualmente, na parte final do projeto, candidatar-me às bolsas mais elevadas do ERC.
Do ponto de vista académico, para mim é fundamental continuar a dar aulas, a orientar estágios e formações aprofundadas (mestrados e doutoramentos) – os alunos são uma fonte de prazer na profissão, criatividade, promessa de continuidade, gente interessada e capaz, que é preciso ajudar a crescer.
Quanto à esfera da Arquivística e da CI, quero continuar a trabalhar em arquivos de família, a aprender, ler e escrever sobre questões teóricas, a ensinar. No futuro, gostaria de desenvolver formações em colaboração internacional, com escolas tanto de CI como de «Archival Science» e ainda com locais mais tradicionais, mas com séculos de experiência, como a École National des Chartes, onde dar aulas, em 2018, foi uma das mais gratificantes experiência da minha carreira docente – e que de resto, tem áreas de inovação bem mais dinâmicas e abertas que muitos locais “modernos”. Preocupa-me muito a perda de saberes arquivísticos nas universidades, bem como a forma como a CI encara as outras Ciências Sociais e Humanas, e é por elas encarada, em geral…
Por fim, gostaria de vir a contribuir de forma mais ativa e pública para o desenvolvimento dos arquivos portugueses, e para a proteção do património arquivístico privado.
Imagem cedida pelo entrevistado.
Entrevista realizada por: Paulo Jorge dos Mártires Batista