(Archivoz) Fale-nos do seu notável percurso académico e profissional até chegar a professor associado IV no Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e no seu Programa de Pós-Graduação.

(Ricardo Trevisan) Ao completar 21 anos de carreira acadêmica em 2024, olho para trás e percebo um percurso nômade, marcado por guinadas específicas – e decisivas – até chegar a professor associado IV no Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e no seu Programa de Pós-Graduação. Natural de Campinas, interior do estado de São Paulo, não me contive em minha cidade natal. Saí de casa aos 18 anos ao ingressar na faculdade, retornando apenas para visitar a família. Uma vez fora de casa, a vida me conduziu por outras cidades: São Carlos, Londres (Inglaterra), Uberlândia, Goiânia, Paris (França), Veneza (Itália), Brasília, Nova York (EUA), Guimarães (Portugal). Foi uma condução guiada por decisões pessoais, profissionais e investigativas em busca constante de obter cada vez mais conhecimento sobre mim e sobre aquilo que aprendi a gostar: arquitetura e urbanismo. O início desta trajetória ocorreu em São Carlos (1994-1998), interior de São Paulo, onde realizei minha graduação no Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) – período de rico aprendizado sob a tutela de mestres conceituados e de ingresso no universo da pesquisa a partir de uma iniciação científica sobre cidades novas paulistas. Uma vez formado, segui para um intercâmbio de estudos na Inglaterra (1999), mais especificamente na capital Londres, onde ampliei meu saber sobre a teoria urbanística Cidade-Jardim a partir de visitas a cidades de Letchworth e Welwyn Garden City. De volta ao Brasil, sem perspectivas de emprego na área, decidi dar continuidade aos estudos pelo mestrado (2001-2003) no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana (PPG-EU) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nele, pude compreender os conceitos da garden city inglesa incorporados no projeto urbanístico do pequeno balneário paulista de Águas de São Pedro. Antes mesmo de finalizá-lo, passei num concurso (2003) para professor substituto no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no estado de Minas Gerais. Era o início de minhas atribuições como docente. Com título de Mestre em mãos, pude avançar um degrau e chegar ao posto de professor efetivo (2004) na área de Planejamento Urbano e Regional na Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas (UnUCET) da Universidade Estadual de Goiás (UEG), em Anápolis. Residindo no Centro-Oeste do país, mais especificamente em Goiânia (2004-2010), dei sequência à minha formação acadêmico-científica com ingresso no Doutorado (2006-2009) no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (PPG-FAU/UnB). Durante esse movimento pendular entre Goiânia e Brasília, entre a docência e os estudos, pude aprimorar meu repertório sobre a tipologia urbanística Cidades Novas a partir de estágios doutorais cumpridos na École d´Architecure de Paris-Malaquais (2007-2008) e no Istituto Universitario di Architettura di Venizia (2008). Com o título de Doutor, outro patamar foi escalado ao ingressar como professor efetivo (2010-hoje) na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB). De lá para cá, foram-se 14 anos dedicados a atividades de Ensino (graduação e pós-graduação), Pesquisa (pesquisador PQ-CNPq), Extensão e Gestão (Coordenador de graduação, Coordenador adjunto de pós-graduação, Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – ANPARQ e Vice-diretor da FAU). Destaco, neste período, os estágios pós-doutorais realizados na Columbia University (2014-2015), em Nova York, com bolsa recebida pelo Prêmio CAPES de Teses 2010, e na Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho (EAAD-UMinho), em Portugal (2023-2024), sendo bolsista CNPq. Ao fim e ao cabo, um percurso inquieto e estimulante, só possível graças a uma busca particular por autoconhecimento, a uma avidez pessoal em ampliar saberes, a um apreço à carreira acadêmica e, sobretudo, às pessoas (professores, pesquisadores, profissionais, alunos, orientandos, família, amigos etc.) que, de algum modo e em algum momento, me acompanharam e possibilitaram a concretude desta jornada.

(Archivoz) Possui pós-doutorados na Columbia University (2014-2015) e na Universidade do Minho (2023-2024). Fale-nos um pouco sobre a investigação que desenvolveu nesse sentido, nomeadamente nos objetivos e principais conclusões da sua investigação.

(Ricardo Trevisan) Antes de adentrar nas especificidades de cada estágio pós-doutoral realizado, vale destacar a importância destes períodos sabático-investigativos na vida de um professor universitário. Trata-se de uma pausa momentânea nas atividades de ensino, extensão e gestão, para se dedicar exclusivamente à pesquisa e se debruçar sobre temas de interesse – um respiro necessário! Preâmbulo feito, sigo para o relato das duas oportunidades que tive, uma na Columbia University e outra, mais recente, na Universidade do Minho – dois continentes, duas realidades opostas, duas experiências divergentes. A primeira teve como título de pesquisa “O habitar em cidades novas do século XXI”, com o objetivo preliminar de analisar o habitar contemporâneo nas propostas às cidades novas de Masdar City (Abu Dhabi), Tianducheng (China), EuropaCity (França), Cidade X (Brasil), Charter City (Honduras). Contudo, as condições insalubres de habitabilidade enfrentadas em Nova York e a falta de vínculo institucional para visiting scholar com a Graduate School of Architecture, Planning & Preservation (GSAPP) – mesmo tendo carta de aceite –, levaram a uma adaptação do estágio e a um redirecionamento da pesquisa. Tendo apenas acesso a livros e trabalhos das Bibliotecas da Columbia (sem poder retirá-los) e com pouca interlocução com pesquisadores locais – salvo com a supervisora Gwendolyn Wright –, decidi levantar o máximo de referências sobre habitação e habitar. Dentre os temas levantados, encontram-se: a casa ideal; os conceitos da habitação; a moradia nos séculos XX e XXI; o vanguardismo russo na habitação; o habitar contemporâneo e diversos estudos de caso (exterior e Brasil); as transformações espaciais da habitação; os ambientes domésticos e suas características; a flexibilidade espacial na habitação; o espaço doméstico no século XXI; a habitação nova iorquina; a habitação norte-americana (do período vitoriano à atualidade); a habitação pelo mundo – indiana (Charles Correa), chinesa (séculos XIX, XX e XXI), latino-americana (PREVI, Peru), brasileira; a habitação em massa; as habitações acessíveis; a habitação multifamiliar subsidiada; os aspectos construtivos da habitação; as tecnologias emergentes e as habitações prototípicas; a habitação e sustentabilidade; a habitação urbana; a habitação e o desenho urbano; e os modelos norte-americanos de Cidade-Jardim e Unidade de Vizinhança (subúrbios de Nova York). Ao regressar ao Brasil, tais fontes e saberes foram transformados em conteúdo curricular mediante a criação de disciplina na graduação e pós-graduação da FAU-UnB. Já a segunda experiência, em Portugal, foi mais tranquila e frutífera. Com o título de pesquisa: “Ex nihilo nihil fit – Cidades novas como infraestruturas territoriais: Santo André (1970, Sines, Portugal) e Sinop (1971, Mato Grosso, Brasil)” e apoio da supervisora Maria Manuel Oliveira e da instituição acolhedora (UMinho), os estudos objetivaram investigar e caracterizar duas cidades novas como infraestruturas territoriais em dois contextos distintos: Portugal e Brasil, porém, contemporâneas do início dos anos 1970 e fundadas durante governos autoritários. A pesquisa, ao estabelecer um estudo aproximativo, identificou a condição para a ação do capital com apoio estatal na ocupação e ordenamento territorial da Amazônia Legal (Brasil) e da região portuária de Sines (Portugal). Ao final de um ano, dois artigos científicos foram produzidos e publicados, além da obtenção do título de especialista em Arquivos de Arquitetura, após curso realizado junto à Autónoma Academy da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Assim, ambos estágios pós-doutorais permitiram, cada um a seu modo, a construção de conhecimento e respectivo compartilhamento com a sociedade.

(Archivoz) Que razões é que o levaram a querer formar-se como arquiteto e urbanista?

(Ricardo Trevisan) Acredito que a escolha pelo curso de Arquitetura e Urbanismo veio pelo gosto por desenhar desde criança, pela possibilidade em ser criativo e pelas (poucas) referências que tinha até então de edifícios diferenciados e atrativos. Anos mais tarde apercebi que tal relação com o universo da construção civil já estava na família: de um lado, meu avô materno construiu algumas casas de modo autônomo; de outro, minha mãe, matemática de formação, havia projetado nossas casas de campo. Uma vez dentro do curso, descobri minha paixão em estudar a escala urbana, sobretudo, a sua dimensão histórica. Compreender o passado de uma cidade, suas transformações ao longo do tempo, sua paisagem e suas personagens foram decisivos para minha formação. Confesso que até o segundo ano letivo fui um aluno relapso e pouco interessado. Porém, a partir do quinto semestre, resolvi encarar os estudos de frente. Entrei para um grupo de pesquisa e desenvolvi um trabalho de iniciação científica, financiado pela FAPESP, com o tema “Cidades Novas no noroeste do estado de São Paulo”. Foram 5 anos de aperfeiçoamento e amadurecimento, assistido por grandes mestres: Jorge Caron, Carlos Roberto de Andrade, Sarah Feldman, Cibele Rizek, Agnaldo Farias, Nabil Bonduki, Hugo Segawa, Carlos Martins, Renato Anelli, Akemi Ino, Marcelo Tramontano e muitos outros. Concluí o curso em dezembro de 1998.

(Archivoz) Considerando o seu extraordinário percurso científico, tem estado, de há longos anos para cá, muito próximo do mundo dos arquivos de arquitetura e urbanismo. Como é que foi o seu primeiro contacto com este mundo?

(Ricardo Trevisan) Na década de 1990 ainda não tínhamos acesso à Internet e a seu universo de possibilidades. São Carlos era uma cidade de pequeno-médio porte do interior de São Paulo, sem muitos atrativos à época, mas com duas grandes universidades (USP e UFSCar). Este ambiente, de certo modo, me levou a uma imersão em estudos teóricos – vale destacar que não havia oferta de estágios em escritórios de arquitetura na cidade. Tais estudos transcorriam ou nas bibliotecas universitárias ou nos grupos de pesquisa do curso. Assim se iniciou meu contato com o universo de acervos e arquivos. Ao ingressar no grupo de pesquisa ArqHab (1996), primeiro como jovem pesquisador voluntário e depois como bolsista, o desenvolvimento dos estudos sobre cidades novas foram feitos no acervo do IBGE, a partir da “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros” (1955), ou pelas visitas a arquivos de prefeituras e acervos privados das cidades investigadas. Estas experiências iniciais foram fundamentais para um método investigativo que utilizei em outras oportunidades, como em Londres na busca por material sobre garden cities; durante o mestrado com o levantamento de fontes e documentos essenciais para a composição de um núcleo documental e para escrita da dissertação; e em Centros de Documentação de Paris e Veneza para mapeamento do conceito e de casos de cidades novas ao redor do planeta. Para mim, acervos de Arquitetura e Urbanismo são receptáculos temporais que permitem acessar vestígios de um passado silenciado. Tal qual lampejos anamnésicos, os documentos quando disponibilizados garantem novas interpretações sobre a cidade e sua composição. Contudo, este cenário de pesquisador-fonte de pesquisa se alterou com o contato ao espólio da empresa urbanizadora Coimbra Bueno em 2020, relevante companhia brasileira responsável por inúmeros planos e projetos urbanísticos e arquitetônicos em diversas regiões do Brasil ao longo do século XX. De pesquisador-consultor passei a atuar também como aquele técnico responsável por receber, limpar, cuidar, armazenar a massa documental. Com a doação do material pela família Coimbra Bueno à FAU-UnB, assumi o compromisso pela salvaguarda do mesmo, bem como atentei-me à necessidade de aperfeiçoamento pessoal nas questões técnicas inerentes a um arquivo, desde os cuidados com recebimento, triagem, catalogação, até as possibilidades de divulgação. Em abril de 2024, realizamos na FAU-UnB o “2º Seminário Topos: Acervos e Arquivos de Urbanismo: saberes, manejos e feitos”, com participação de diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros, em simultaneidade da exposição “Acervos de Urbanismo: Coimbra Bueno e Joaquim Guedes”, elaborada em parceria com a FAUUSP. Deste seminário, resultou o livro coletânea “Acervos e Arquivos de Arquitetura e Urbanismo”, a ser lançado ainda este ano.

(Archivoz) É investigador membro do Laboratório de Estudos da Urbe (Labeurbe-FAU/UnB), do grupo de pesquisa Topos – Paisagem, Projeto, Planejamento, do grupo de pesquisa LEU – Laboratório de Experiências Urbanísticas (IAU-USP) e coordenador local do projeto Cronologia do Pensamento Urbanístico. O que nos pode dizer sobre estas iniciativas e projetos?

(Ricardo Trevisan) A entrada como professor na FAU-UnB não foi solitária, mas acompanhada de outros novos professores. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – Reuni, de 2007, ampliou e criou novos cursos formativos pelo Brasil, incluindo a criação do curso noturno de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília. Frente à demanda por novos docentes, inúmeras vagas foram abertas para contratação, possibilitando uma ampliação do corpo docente da FAU-UnB. Novos na casa, decidimos nos reunir e criar, em paralelo a outros laboratórios de pesquisa existentes, consolidados na figura de um professor principal, um laboratório de pesquisa coletivo, composto, inicialmente, por oito professores. Assim surgiu em 2010 o LabEUrbe – Laboratório de Estudos da Urbe, com pesquisadores de distintas linhas de pesquisas no âmbito do Programa de Pós-graduação e de diferentes Departamentos Acadêmicos no âmbito da FAU-UnB. Esta característica estrutural, permitiu aos pesquisadores do LabEUrbe trabalhar em eixos temáticos a cerca da arquitetura, da cidade, da paisagem, do território e do patrimônio, além de possibilitar interações acadêmicas, científicas, técnicas e artísticas. O grupo de pesquisa Topos – Paisagem, Projeto, Planejamento, no qual sou membro, nasce em 2020 no interior do LabEUrbe, com objetivo específico de desenvolver estudos sobre cidade e região a partir do projeto, do planejamento e da apropriação da paisagem e seu território construído e vivenciado. Sendo um fórum de pesquisas e estudos permanentes e interdisciplinares sobre o urbano, reúne atualmente professores da FAU-UnB e de outras unidades acadêmicas da UnB e de fora dela. Neste abrir possibilidades para além da UnB, estabelecendo redes e parcerias com pesquisadores de diferentes regiões do país, fui convidado a coordenar localmente o projeto “Cronologia do Pensamento Urbanístico”, cuja plataforma digital é a segunda no país em termos de acesso para consultas e pesquisas sobre arquitetura e urbanismo. Convite feito pelas professoras Paola Berenstein Jacques (UFBA) e Margareth da Silva Pereira (UFRJ), esta ação permitiu reunir docentes e discentes da FAU-UnB ao redor de pesquisas e produções conjuntas, como a trilogia de publicações “Nebulosas do Pensamento Urbanístico” – Pensar (tomo I), Fazer (tomo II) e Narrar (tomo III). Hoje, integram a rede oito universidades: UFBA, UFRJ, UnB, UFMG, Unicamp, USP, UFRGS e UNEB. Outra conexão estabelecida foi a partir do LEU – Laboratório de Experiências Urbanísticas, em 2018, composto por uma rede nacional de docentes de universidades públicas das cinco diferentes regiões administrativas do país. O LEU visa proporcionar pesquisas no campo do urbanismo como instrumento de influência sobre as políticas públicas de desenvolvimento urbano, regional e territorial, assim como incentivar estudos interdisciplinares e interescalares atentando-se às especificidades e potencialidades de cada região. Como membro do LEU, ao lado de colegas pesquisadores do IAU-USP, Unicamp, UFMG, UEM, UFRN, UFERSA, passei a representar os estudos sobre a região Centro-Oeste. Por fim, vale mencionar o ingresso no recém-criado Lupa – Laboratório de Pesquisa Acervos e Arquivos de Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB, cujo propósito é atuar na reunião, preservação, disponibilização e pesquisa em acervos e arquivos de Arquitetura, de Urbanismo, de Cidades, de Arquitetos, de Urbanistas e similares. O Lupa surge tanto pelo advento do acervo da empresa Coimbra Bueno, como por outros arquivos já existentes, como do CEDIARTE – Centro de Documentação Edgar Graeff, dos espólios dos ex-professores Frank Svensson e José Carlos Córdova Coutinho, e do CEPLAN – Centro de Planejamento Oscar Niemeyer, com documentos originados assinados por inúmeros profissionais como Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima, Lelé.

(Archivoz) Também é investigador CNPq com o projeto: “Coimbra Bueno e Cia. Ltda. – Construtora de cidades” (Atlas de Cidades Novas no Brasil Republicano). Quais os principais resultados e evidências deste projeto?

(Ricardo Trevisan) As atividades como pesquisador do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tem início em 2015 com aprovação e obtenção de bolsa produtividade do macroprojeto de pesquisa “Atlas de Cidades Novas no Brasil Republicano”. Desde então, a cada triênio, submeto para aprovação via edital um novo plano de pesquisa específico. Para o triênio 2024-2027, o plano aprovado foi o “Coimbra Bueno e Cia. Ltda.: Construtora de cidades”, para o qual dedico atenção à atuação da empresa urbanizadora Coimbra Bueno em inúmeras cidades brasileiras nas décadas de 1930 a 1950. Se, por um lado, muito se sabe sobre o envolvimento direto da companhia na construção de Goiânia – nova capital do estado de Goiás – a partir de 1934, muito por publicações direcionadas à origem da capital; por outro, são escassas as informações sobre a participação dos irmãos engenheiros Jeronymo e Abelardo Coimbra Bueno em outras ações urbanizadores, bem como em outras atividades produtivas. Com base no acervo particular – doado pela família Coimbra Bueno em 2020 à FAU-UnB –, investigações preliminares indicaram uma prática extremamente diversificada, indo da produção agropecuária a empreitadas industriais, da proposição de habitação de interesse social à qualificação de uma “civilização sertaneja”, de planos para inúmeras cidades brasileiras à criação da Fundação Coimbra Bueno pela Nova Capital do Brasil em 1939. Ademais, além de Goiânia (GO, 1934), identificou-se ao menos três cidades novas por eles fundadas: Luiziânia (SP, 1939), Atafona (São João da Barra, RJ, 1941) e Rubiataba (GO, 1949). Mediante incursão pericial pelos documentos primários, confrontada com fontes teóricas e históricas para melhor contextualização de tais feitos, esta pesquisa visa ampliar o escopo sobre a história das cidades e do urbanismo no Brasil, evidenciando e tornando público o percurso laboral destes empreendedores, os planos urbanísticos desenvolvidos pela incorporadora e o engajamento de outros profissionais. A pesquisa encontra-se em sua fase inicial, portanto, sem resultados ou evidências por ora a mencionar. De antemão, informa-se que as cidades novas identificadas serão analisadas, catalogadas e publicizadas no site “Atlas de Cidades Novas”, assim como promovidas em verbetes na plataforma digital “Cronologia do Pensamento Urbanístico”; enquanto demais descobertas e resultados serão publicados como artigos em periódicos e em Anais de eventos nacionais e internacionais.

(Archivoz) É coordenador do projeto de ensino: Habitação Contemporânea: Ensino e Pesquisa. Pode dar-nos conta do ponto em que se encontra este projeto?

(Ricardo Trevisan) Embora meu foco de pesquisa principal sejam as cidades novas, desde meu ingresso nas atividades de docência em 2003 fui levado a ministrar aulas de projeto habitacional. A base para tal repertório veio dos aprendizados obtidos ainda no período de graduação com os professores Marcelo Tramontano, sobre novos modos de vida e novos modos de morar, e Nabil Bonduki, sobre habitação de interesse social no grupo de pesquisa ArqHab. Desde então, são 24 anos lecionando disciplinas sobre habitação e o habitar. São experiências pedagógicas construídas na Universidade Federal de Uberlândia, na Universidade Estadual de Goiás e na Universidade de Brasília, que se somam a orientações de trabalhos finais de curso, ensaios teóricos, mestrados e doutorados tendo a casa como foco central. Pontua-se, neste percurso, a assinatura de três projetos residenciais. Ciente deste repertório acumulado, elaborei o projeto de ensino “Habitação contemporânea: Ensino e Pesquisa”, que desde 2010 é uma ação contínua direcionada ao ensino sobre a temática habitacional, sem prazo para findar, e já se reverberou na formação de centenas de estudantes.

(Archivoz) É autor de uma vastíssima produção bibliográfica e técnica. Quais os principais trabalhos que gostaria de destacar e as razões dessa escolha, indicando também as grandes especialidades do conjunto da sua obra.

(Ricardo Trevisan) Lisonjeado pelo uso do adjetivo “vastíssima”, saliento que a mesma, na maioria dos casos, foi elaborada na companhia de outros autores – colegas docentes, pesquisadores, orientadores, supervisores e, principalmente, estudantes sob minha supervisão –, acreditando que a produção de pesquisa e conhecimento se faz no diálogo, no embate, na partilha, na generosidade de ter o outro como partícipe desta construção. Dito isto, considero como pontas de iceberg desta produção 6 obras produzidas ao longo destes anos. A primeira é o livro “Cidades Novas” (2020), derivado da Tese de doutoramento (2009), o qual abarca o conceito desta tipologia urbanística de um modo amplo e ainda atual. Como disse o urbanista francês – e eterno mestre – Phillipe Panerai no prefácio, é uma obra a ser traduzida para outras línguas visando ampliar o seu alcance. A segunda é o website www.atlascidadesnovas.com.br que reúne os mais de 330 exemplares de cidades novas no Brasil Republicano. Ainda incompleto (na rede desde 2021), ele demanda tempo e ajuda de outros pesquisadores para que seja concluído algum dia – como sempre me dizem: “um trabalho para vida toda!”. A terceira, que está de algum modo relacionado ao website, perfaz três textos publicados na coleção “Nebulosas do Pensamento Urbanístico”: 1.) “Pensar por atlas” (2018), 2.) “Cidades novas: fazer por atlas” (2019), e 3.) “Narrar por cidades novas” (2020), onde trago uma discussão, a partir do atlas warburguiano e de estudos de Georges Didi-Huberman, sobre o conceito de atlas e seu entendimento como um potencial instrumento de leitura de objetos – um dispositivo motriz fundamental para conceber narrativas inusitadas, inesperadas, inimagináveis. A quarta é resultante do estágio pós-doutoral em Portugal; trata-se do artigo “Ex nihilo nihil fit: Cidades novas como infraestruturas territoriais no Brasil e em Portugal” (junho de 2024), publicado na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (RBEUR). Sua relevância deve-se à percepção de uma outra dimensão, a do território, a partir de olhares transdisciplinares (Política, Economia, Geografia etc.). A quinta refere-se ao universo da habitação e atrai jornalistas de plantão quando querem discutir uma particularidade da casa brasileira: o quartinho de empregada. Publicado nos Anais do IV Enanparq (2016), o artigo “O ‘quartinho de empregada’ e seu lugar na morada brasileira” tece uma reflexão sobre este espaço doméstico na casa brasileira e como arquitetos e escritórios de arquitetura ainda tiram partido dele nos projetos residenciais atuais. Por fim, a sexta obra é a exposição “Acervos de Urbanismo: Coimbra Bueno e Joaquim Guedes” (2024), concebida por mim e minha amiga Carolina Pescatori. Com auxílio de outros profissionais, professores, estudantes e pesquisadores, a exposição foi a materialização dos aprendizados obtidos nos últimos anos com o acervo Coimbra Bueno, bem como surpreendeu-me enquanto experiência do universo expográfico.

(Archivoz) Ao longo do seu admirável trajeto foi agraciado com inúmeros prémios e títulos. Quais são os que destaca e por que razão?

(Ricardo Trevisan) São dois os prêmios que merecem destaque: o Prêmio CAPES de Tese (2010) e o Prêmio Codeplan (2021). Sem dúvida, ter recebido o Prêmio CAPES de Tese foi um reconhecimento de todo o trabalho feito desde os tempos de graduação até o doutorado sobre a temática Cidades Novas, somados aos estudos desenvolvidos sobre teoria e história da cidade e do urbanismo. Este prêmio, criado em 2005 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos em programas de pós-graduação brasileiros de acordo com critérios como: originalidade do trabalho, relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural, social e de inovação e valor agregado pelo sistema educacional ao candidato. Tal prêmio me condecorou com uma bolsa pós-doutoral. Já o recebimento do VII Prêmio Codeplan de Trabalhos Técnico-Científicos (2º lugar) pelo trabalho: “O prenúncio da ‘Grande Brasília’: Cidades-satélites do entorno”, elaborado em coautoria das alunas Isadora Banducci, Rubiana Lemos, Carolina Guida e Letícia Pessoa, permitiu avançar o olhar para a história de construção e consolidação de Brasília e sua área metropolitana a partir de uma outra perspectiva: a criação de cidades novas no entorno do Distrito Federal (DF) em prol da nova capital. Promovido anualmente pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), o Prêmio Codeplan busca estimular pesquisas socioeconômicas sobre políticas sociais e urbano-ambientais voltadas para o desenvolvimento do DF e da Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (RIDE). O estudo foi publicado em dezembro de 2023 pela série “Codeplan – Texto para Discussão” e encontra-se disponível ao público interessado.

(Archivoz) Finalmente, tanto quanto possível, gostaria que nos informasse sobre os seus projetos futuros, em termos de investigação.

(Ricardo Trevisan) Como projetos investigativos futuros têm-se, em perspectiva, o avanço na completude do website “Atlas de Cidades Novas”, a atenção cuidadosa ao Acervo Coimbra Bueno na busca de respostas pontuadas pelo projeto de pesquisa “Coimbra Bueno e Cia. Ltda.: Construtora de cidades”, e a realização de um terceiro pós-doutorado após o encerramento de meu mandato de vice-diretor da FAU-UnB em 2027. Onde será e o que irei pesquisar? Revelo o interesse em pesquisar cidades novas contemporâneas de outros continentes, como na África, na Ásia e na Oceania. A intenção é compreender a real necessidade de se construir – e como construir – mais cidades frente a um esgotamento ambiental e a crise climática na qual vivemos.

Imagem cedida pelo entrevistado (2024): Pranchas enroladas do Arquivo Público do Distrito Federal – ArPDF, Brasília.

Entrevisado: 

Ricardo Trevisan

Ricardo Trevisan

Arquiteto e urbanista, Vice-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB), onde é professor.

Pesquisador do Lupa – Laboratório de Pesquisa em Acervos e Arquivos de Arquitetura e Urbanismo e do grupo de pesquisa Topos – Paisagem, Projeto, Planejamento. Autor do livro “Cidades Novas” (2020) e do site: https://atlascidadesnovas.com.br/.

 

Entrevistador:

 Paulo Jorge dos Mártires Batista

Paulo Jorge dos Mártires Batista

Editor de conteúdo

Doutoramento em Documentación pela Universidad de Alcalá. É técnico superior no Arquivo Municipal de Lisboa, e coordenador professor das pós-graduações em Promoção e Dinamização Cultural e Educativa em Arquivos e Bibliotecas, e em Arquivos de Arquitetura, da Universidade Autónoma de Lisboa. Investigador integrado do CIDEHUS.UE, onde coordena o grupo de investigação Património(s) e Literacias. É académico da Academia Portuguesa da História e secretário da Comissão Executiva da Secção de Arquivos de Arquitetura do Conselho Internacional de Arquivos. 

Share This